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Vol. 31. Núm. 10.
Páginas 647-654 (outubro 2012)
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Vol. 31. Núm. 10.
Páginas 647-654 (outubro 2012)
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Impacto da via verde coronária e da angioplastia primária na redução da mortalidade associada ao enfarte com elevação do segmento ST anterior. A experiência algarvia
The impact of direct access to primary angioplasty on reducing the mortality associated with anterior ST-segment elevation myocardial infarction: The experience of the Algarve region of Portugal
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Nuno Marques
Autor para correspondência
marqns@gmail.com

Autor para correspondência.
, Ricardo Faria, Pedro Sousa, Jorge Mimoso, Victor Brandão, Veloso Gomes, Ilídio Jesus
Serviço de Cardiologia, Hospital de Faro, EPE, Faro, Portugal
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Tabela 1. Antecedentes pessoais cardiovasculares e fatores de risco para doença coronária dos doentes com EAMCST anterior
Tabela 2. Intervalos de tempo desde o início dos sintomas até ao tratamento, apresentados sob a forma de mediana e intervalo interquartil entre parênteses, dos doentes com EAMCST anterior
Tabela 3. Percentagem de doentes distribuídos consoante a via de acesso e localização das lesões coronárias. Percentagem de doentes com revascularização completa no procedimento inicial e em que foram utilizados stents revestidos com fármaco
Tabela 4. Mortalidade de acordo com os fatores de risco. KK – Classe de Killip
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Resumo
Introdução

Existem muito poucos dados em Portugal sobre a mortalidade do enfarte agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST (EAMCST) anterior, particularmente em centros com via verde coronária (VVC) e angioplastia primária. O objetivo deste estudo é apresentar os resultados de um centro com VVC e angioplastia primária no tratamento de doentes internados por EAMCST anterior.

Métodos

Estudo retrospetivo dos 120 doentes admitidos por EAMCST de localização anterior no ano de 2008 no centro hospitalar de Faro.

Resultados

Foi encontrada doença coronária significativa em 99 doentes (82,5%). Estes doentes eram predominantemente do sexo masculino (79%) e tinham uma idade média de 63 anos. A angioplastia primária foi realizada na maioria dos doentes nas primeiras 6 h após o início dos sintomas, sendo que a mediana do tempo ECG-balão foi de 89 min. A taxa de sucesso da angioplastia primária foi de 98%, sendo que a revascularização foi completa em 83% dos casos. O cateterismo cardíaco foi realizado por via radial em 82% dos doentes. A taxa de mortalidade intra-hospitalar e aos 30 dias foi de 3%.

Conclusão

A implementação da VVC com acesso direto a angioplastia primária associou-se a uma baixa taxa de mortalidade dos doentes admitidos por EAMCST anterior.

Palavras-chave:
Enfarte agudo do miocárdio com supradesnivelamento do segmento ST
Enfarte anterior
Mortalidade
Via verde
Angioplastia primária
Abstract
Introduction

There are few published data on mortality in anterior ST-segment elevation myocardial infarction (STEMI) in Portugal, particularly in centers with direct access to primary angioplasty. We present the experience of a center with direct access to primary angioplasty in the management of patients admitted with anterior STEMI.

Methods

We performed a retrospective study of 120 patients admitted with anterior STEMI in 2008 to Faro Hospital (Algarve region, Portugal).

Results

Significant coronary artery stenosis was found in 99 patients (82.5%). These patients were predominantly male (79%), and had a mean age of 63 years. Primary angioplasty was performed in the majority of patients within 6hours of symptom onset and median ECG-to-balloon time was 89minutes. Primary angioplasty was successful in 98% of patients and complete revascularization was achieved in 83%. Radial access was used in 82% of cases. In-hospital and 30-day mortality was 3%.

Conclusion

Direct access to primary angioplasty was associated with low mortality in patients admitted with anterior STEMI.

Keywords:
Anterior ST-segment elevation myocardial infarction
Anterior infarction
Mortality
Coronary fast-track system
Primary angioplasty
Texto Completo
Introdução

A angioplastia primária tem mostrado superioridade relativamente à terapêutica fibrinolítica nos enfartes agudos de miocárdio com supradesnivelamento de ST (EAMCST), sendo indicada nas recomendações como terapêutica de primeira linha1,2.

Quanto menor for o intervalo de tempo entre o início de sintomas (ou o primeiro contacto médico) e a realização de angioplastia, maior será o benefício da mesma. Por forma a minimizar este intervalo temporal, foi criada a via verde coronária (VVC) que permite uma ligação rápida e eficiente entre o ambiente pré-hospitalar e o hospital com capacidade para realização de angioplastia primária ou a transferência rápida de um hospital sem capacidade para realização de angioplastia primária para um hospital com essa possibilidade. O tempo desde o primeiro contacto médico até à realização de angioplastia primária (tempo contacto-balão) deverá ser inferior a 120 min, exceto nos doentes com enfarte extenso e início dos sintomas há menos de 2h e com baixo risco de hemorragia, nos quais deve ser inferior a 90 min1.

O Algarve é uma região portuguesa com uma população residente de cerca de 500000 habitantes, número que pode triplicar devido ao turismo (nomeadamente no período de verão). Na região do Algarve, o Hospital de Faro E.P.E. é o único hospital com capacidade para realização de angioplastia primária diariamente durante 24 h, estando equipado com uma Unidade de Cuidados Intensivos Coronários (UCIC) com capacidade logística e técnica para internamento dos doentes com EAMCST. O Hospital de Faro está integrado numa rede de referenciação organizada (VVC) que garante que todos os doentes com EAMCST trazidos pelo Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) ou admitidos nos Centros de Saúde, Serviços de Urgência Básica do Algarve ou Hospital do Barlavento Algarvio (hospital sem capacidade de realização de angioplastia primária) sejam transferidos imediatamente para o Hospital de Faro com o objetivo de realizar angioplastia primária.

O INEM, os Serviços de Urgência Básica e o Hospital do Barlavento Algarvio têm capacidade de realização e transmissão do ECG de 12 derivações, 24h por dia, para a UCIC do Hospital de Faro, sendo a VVC ativada após contacto telefónico com o cardiologista de serviço.

A VVC encontra-se em funcionamento no Algarve desde 2002, sendo desde então a via de referenciação de um número crescente de doentes admitidos por EAMCST. A angioplastia primária é realizada no Hospital de Faro desde 2003, sendo um centro com grande volume anual de angioplastias primárias.

Em Portugal, com exceção da região do Algarve, menos de 6% dos doentes com EAMCST e que são tratados em hospitais com angioplastia primária, são referenciados diretamente pelas VVC locais.

Pela sua maior mortalidade, os EAMCST de localização anterior constituem um subgrupo de doentes em que a seleção e a rapidez de implementação do tratamento são mais importantes na diminuição da mortalidade. Na literatura, a mortalidade a 30 dias dos EAMCST de localização anterior é bastante variável mas superior a 6%4–6. Em Portugal, os dados sobre a mortalidade dos EAMCST de localização anterior são escassos, não existindo dados publicados sobre os resultados atingidos em centros integrados na VVC e com capacidade de angioplastia primária. Pretende-se com este estudo analisar e apresentar os resultados de um centro com angioplastia primária e com uma experiência de VVC de vários anos no tratamento de doentes internados por EAMCST de localização anterior no ano de 2008.

MétodosPopulação do estudo

Este estudo inclui os 120 doentes admitidos por EAMCST de localização anterior no Hospital de Faro no ano de 2008.

O diagnóstico de EAMCST de localização anterior foi baseado no ECG de 12 derivações, tendo sido considerados como critérios de diagnóstico a elevação do segmento ST ≥ 0,1mV em DI e aVL ou a elevação do segmento ST ≥ 0,2mV em ≥2 derivações precordiais consecutivas de V1 a V5. Foram incluídos todos os doentes que cumpriam os critérios de ECG e se apresentavam com dor precordial mantida com menos de 12h de duração. O diagnóstico de EAMCST de localização anterior foi estabelecido por um médico do INEM, do centro de saúde, do Serviço de Urgência Básica, do Serviço de Urgência do Hospital do Barlavento Algarvio ou do Serviço de Urgência do Hospital de Faro.

Via verde coronária e protocolo de terapêutica

A VVC funcionou da seguinte forma:

  • -

    Os doentes que efetuaram contacto através do número nacional de emergência médica (112) e cujo diagnóstico foi estabelecido pelo médico da VMER foram transportados diretamente para o Laboratório de Hemodinâmica e Cardiologia de Intervenção (LHCI) do Hospital de Faro, após contacto telefónico com o médico da UCIC;

  • -

    Os doentes que recorreram aos Centros de Saúde, Serviços de Urgência Básica ou Hospital Barlavento Algarvio realizaram ECG, que foi transmitido pelo sistema Lifenet para a UCIC do Hospital de Faro, sendo imediatamente estabelecido contacto telefónico entre o médico dessa unidade de saúde e o cardiologista de serviço na UCIC e acordada a transferência do doente com acompanhamento médico pelo INEM e/ou médico da respetiva unidade de saúde para o LHCI;

  • -

    Os doentes que recorreram diretamente ao Serviço de Urgência do Hospital de Faro, foram imediatamente transferidos com acompanhamento médico para o LHCI (ou para a UCIC até disponibilização do LHCI) após contacto do médico do Serviço de Urgência com o cardiologista da UCIC. Estes doentes não são considerados como admitidos pela VVC;

  • -

    Independentemente da forma de ativação da VVC, o cardiologista de serviço na UCIC contacta imediatamente com a equipa de hemodinâmica, por forma a garantir a sua disponibilidade aquando da chegada do doente ao Serviço.

Durante o transporte dos doentes até ao LHCI foi administrada terapêutica, nomeadamente 250mg de aspirina endovenosa e oxigenoterapia. Preferencialmente, não foi efetuada terapêutica com clopidogrel. Dependendo dos sintomas e na ausência de contraindicações, podem ter sido administrados opióides, metoclopramida, diazepam ou nitratos. Nos doentes com instabilidade hemodinâmica foram administrados fluidos e inotrópicos ao critério do médico que efetuou o transporte. As arritmias foram tratadas segundo as normas estabelecidas com amiodarona ou cardioversão eléctrica. A reanimação dos doentes que sofreram paragem cardiorrespiratória (PCR) foi realizada de acordo com as normas internacionais.

No LHCI foi utilizada preferencialmente a via de acesso radial. Foram administradas 5000 U de heparina não fracionada no início do procedimento. Foi realizada terapêutica com eptifibatido sob a forma de bólus único de 20mg aquando da realização de angioplastia. Foi realizada preferencialmente angioplastia com implantação de stent, o tipo de stent dependendeu do critério do hemodinamista. Foi realizada aspiração de trombos intracoronários ao critério do hemodinamista. Foi efetuada terapêutica com 600mg de clopidogrel, após a realização da angioplastia.

Após a realização da angioplastia primária, os doentes foram transferidos para a UCIC onde realizaram terapêutica de acordo com as normas internacionais para o EAMCST1.

Após estabilização da situação clínica, o doente foi transferido para a enfermaria de cardiologia mantendo monitorização eletrocardiográfica contínua por telemetria até à altura da alta. Durante o internamento foi integrado no programa de reabilitação cardíaca do Serviço de Cardiologia.

Colheita e manuseamento dos dados

A colheita de dados foi realizada de forma retrospetiva através da consulta da Base de Dados do LHCI, da Base de Dados de Síndromas Coronárias Agudas do Serviço de Cardiologia e do Sistema de Apoio Médico do Hospital de Faro. Foram ainda consultados os processos clínicos de cada doente sempre que necessário.

Foram colhidos os dados demográficos, antecedentes pessoais, fatores de risco cardiovasculares, apresentação clínica, forma de ativação da VVC, tempos de atuação, via de acesso, resultado da coronariografia e tipo de stents utilizados.

Foram definidos os seguintes intervalos de tempo:

  • -

    Tempo dor-diagnóstico (definido como o tempo desde o início da dor até à realização do 1.° ECG).

  • -

    Tempo dor-balão (definido como o tempo desde o início da dor até à realização de angioplastia primária com balão).

  • -

    Tempo diagnóstico-balão (definido como o tempo desde a realização do 1.° ECG até à realização de angioplastia primária com balão).

  • -

    Tempo porta -balão (definido como o tempo desde que o doente chega ao Hospital de Faro até à realização de angioplastia primária com balão).

Foi efetuado o score de risco TIMI para cada doente e determinada qual a mortalidade prevista.

Foi efetuado o follow-up a 30 dias através de consulta médica ou entrevista telefónica.

Análise estatística

Foi utilizado o programa SPSS 13.0 para a análise estatística. Foi utilizado o teste de Kolmogorov – Smirnov para avaliação da normalidade, sendo as variáveis analisadas de acordo com os resultados do teste. Os dados descritivos são apresentados como mediana ou média ± desvio padrão, conforme apropriado. Foi realizada a comparação de mortalidades utilizando o teste de Pearson com um nível de significância de p<0,05.

ResultadosCaracterísticas dos doentes

No ano de 2008 foram internados no Serviço de Cardiologia do Hospital de Faro 120 doentes com o diagnóstico de EAMCST de localização anterior. Destes, 21 doentes não apresentavam doença coronária significativa (17,5%). Os dados que se seguem referem-se aos doentes internados com EAMCST de localização anterior e que apresentavam doença coronária significativa (99 doentes).

Dos 99 doentes, 79 eram do sexo masculino e 20 do sexo feminino.

A média do número mensal de doentes com EAMCST de localização anterior foi 8, variando desde 4 em Outubro e Novembro e 12 em Março (Figura 1).

Figura 1.

Distribuição mensal dos doentes com EAMCST anterior ao longo do ano de 2008.

(0.08MB).

A idade média dos doentes foi 63±13 anos (mínimo 33 e máximo 85), sendo que 29% dos doentes apresentavam idade entre os 65 e 79 anos e 14% idade ≥ 80 anos.

Os antecedentes dos doentes estão representados na Tabela 1.

Tabela 1.

Antecedentes pessoais cardiovasculares e fatores de risco para doença coronária dos doentes com EAMCST anterior

Antecedentes pessoais  N.° de doentes 
Hipertensão arterial  53 
Hipercolesterolémia  49 
Diabetes mellitus  23 
Tabagismo  36 
Angina de peito  45 
EAM  16 
Angioplastia coronária  16 
CABG 
DVP 
AVC 

AVC: acidente vascular cerebral; CABG: cirurgia de bypass coronário; DVP: doença vascular periférica; EAM: enfarte agudo do miocárdio.

Seis doentes sofreram PCR préhospitalar, com necessidade de manobras de reanimação. Sete doentes apresentaram-se em choque cardiogénico (definido como tensão arterial sistólica < 90mmHg e/ou necessidade de suporte inotrópico), apresentando-se no entanto a maioria dos doentes (71%) na classe de Killip 1 (Figura 2).

Figura 2.

Distribuição dos doentes pela classe de Killip no momento da admissão.

(0.05MB).

A maioria dos doentes apresentava um Score de Risco TIMI para EAMCST superior a 4 (55%) (Figura 3).

Figura 3.

Distribuição dos doentes de acordo com o Score TIMI para EAMCST.

(0.05MB).
Proveniência dos doentes e via verde coronária

A Figura 4 mostra a proveniência dos doentes com EAMCST de localização anterior, salientando-se o maior número de casos provenientes do Hospital Barlavento Algarvio (31%) e dos Serviços de Urgência Básica dos Centros de Saúde (25%).

Figura 4.

Distribuição dos doentes com EAMCST anterior segundo a sua proveniência, apresentados em percentagem. HBA − Hospital Barlavento Algarvio; HCF − Serviço de Urgência do Hospital de Faro EPE; INEM − Instituto Nacional de Emergência Médica; SUB – Serviço de Urgência Básica ou Centro de Saúde.

(0.06MB).
Tempos de reação após o início dos sintomas

O tempo dor-diagnóstico apresentou uma mediana de 162 min (< 3h), sendo a mediana do tempo diagnóstico-balão de 89 min e porta-balão 15 min (Tabela 2).

Tabela 2.

Intervalos de tempo desde o início dos sintomas até ao tratamento, apresentados sob a forma de mediana e intervalo interquartil entre parênteses, dos doentes com EAMCST anterior

Intervalos de tempo (min)  Mediana (diferença interquartil) 
Dor - Balão  240 (180-360) 
Dor - Diagnóstico  162 (109-272) 
Diagnóstico - Balão  89 (57-108) 
Porta - Balão  15 (12-20) 

A maioria dos doentes realizou angioplastia primária nas primeiras 6h após início dos sintomas (36% até às 3h e 46% das 3 às 6h).

O tempo diagnóstico-balão foi inferior a 120 min em 80% dos doentes.

O tempo diagnóstico-balão é maior nos doentes provenientes do Hospital Barlavento Algarvio (Figura 5).

Figura 5.

Distribuição dos tempos desde o ECG diagnóstico até à realização de angioplastia com balão, consoante o local de realização do ECG. HBA − Hospital Barlavento Algarvio; HCF − Serviço de Urgência do Hospital de Faro EPE; INEM − Instituto Nacional de Emergência Médica; SUB – Serviço de Urgência Básica.

(0.05MB).

A VVC não foi ativada por definição em nenhum dos casos que recorreram ao Serviço de Urgência do Hospital de Faro. Salienta-se que, dos doentes que não recorreram diretamente ao Hospital de Faro, apenas em 3 casos (4%) não foi ativada a VVC (Figura 6).

Figura 6.

Distribuição dos doentes com EAMCST anterior segundo a proveniência, apresentados em número absoluto de casos e número de casos em que foi realizada a ativação da VVC. HBA − Hospital Barlavento Algarvio; HCF − Serviço de Urgência do Hospital de Faro EPE; INEM − Instituto Nacional de Emergência Médica; SUB – Serviço de Urgência Básica ou Centro de Saúde.

(0.06MB).
Intervenção no Laboratório de Hemodinâmica e Cardiologia de Intervenção

A via de acesso preferencial foi a via radial em 82% dos doentes. Apresentavam doença coronária multivaso 50% dos doentes. Foi efetuada a revascularização completa no procedimento inicial em 83% dos doentes. Foram utilizados em média 2.1 stents por doente, tendo sido utilizados stents revestidos por fármaco em 81% dos doentes (Tabela 3).

Tabela 3.

Percentagem de doentes distribuídos consoante a via de acesso e localização das lesões coronárias. Percentagem de doentes com revascularização completa no procedimento inicial e em que foram utilizados stents revestidos com fármaco

  Valor em percentagem 
Via radial  82 
Via femural  18 
Doença coronária de 1 vaso  50 
Doença coronária de 2 vasos  35 
Doença coronária de 3 vasos  15 
Revascularização completa  83 
Stent revestido  81 

A taxa de insucesso da angioplastia primária foi de 2%.

Taxa de mortalidade e Re-enfarte

Verificaram-se 2 óbitos de causa cardiovascular durante o internamento e 1 óbito de causa não cardiovascular (septicemia secundária a colecistite aguda). A mortalidade global foi assim de 3% (Figura 7). Os doentes falecidos durante o internamento apresentavam um Score TIMI para EAMCST ≥ 7.

Figura 7.

Taxas de mortalidade dos doentes com EAMCST anterior. Morte 30d – Mortalidade global aos 30 dias; Morte CV IH – Mortalidade Cardiovascular Intra-hospitalar; Morte Global IH- Mortalidade Global Intra-hospitalar; Morte NCV IH- Mortalidade Não Cardiovascular Intra-hospitalar; Morte TIMI – Mortalidade prevista pelo Score TIMI para EAMCST. O p<0,01 refere-se ao nível de significância estatística comparando a mortalidade observada aos 30 dias e a mortalidade prevista pelo Score TIMI.

(0.07MB).

Não ocorreram casos de re-enfarte durante o internamento.

Não se verificaram outros óbitos no seguimento a 30 dias. A taxa de mortalidade a 30 dias foi de 3%. A taxa de mortalidade prevista pelo Score TIMI foi de 14%, valor que é significativamente superior ao observado (p<0,01) (Figura 7).

A mortalidade foi maior nos doentes do sexo feminino (5 versus 2,5%) não existindo, no entanto, diferença significativa entre os grupos (p=ns). Nos doentes que se apresentaram em choque cardiogénico, a mortalidade foi significativamente mais elevada (28,6%) (p<0,01). Nos muito idosos (≥ 80 anos) a mortalidade também foi significativamente mais elevada (p<0,01) (Tabela 4).

Tabela 4.

Mortalidade de acordo com os fatores de risco. KK – Classe de Killip

  Sim %  Não %  Nível de significância 
Sexo Feminino  2,5  p=0,57 
Choque Cardiogénico  28,6  1,1  p<0,01 
Paragem Cardiorrespiratória  3,3  p=0,66 
Idade ≥ 80  14,3  1,2  p<0,01 
TIMI Score5,6  p=0,10 
KK ≥7,4  1,4  p=0,12 

A utilização da via de acesso radial associou-se a uma taxa de mortalidade significativamente menor (1,2 versus 11,1%, p=0,03). A realização de revascularização completa não aumentou a mortalidade (2,4 versus 5,9%, p=ns).

Discussão

A angioplastia primária é indicada como prioritária nos doentes com EAMCST, devendo ser realizada com a maior brevidade possível. A terapêutica fibrinolítica apresenta resultados idênticos à angioplastia primária quando administrada nos primeiros 120 min de dor, mas associa-se a um risco hemorrágico bastante mais elevado, principalmente devido à ocorrência de AVC hemorrágico7,8. A orientação rápida para um hospital com capacidade de realização de angioplastia primária evita a exposição destes doentes ao risco desnecessário da terapêutica fibrinolítica, pelo que esta só deverá ser considerada como opção se não existir possibilidade de realização de angioplastia primária em menos de 120 min. Segundo as Sociedades de Cardiologia, o intervalo aceitável entre o diagnóstico e a realização de angioplastia com balão é inferior a 120 min, sendo o intervalo ótimo inferior a 90 min1–3.

Contudo, o primeiro intervalo temporal é o que decorre desde o início dos sintomas até ao primeiro contacto médico. Este período depende essencialmente do doente. No nosso estudo, a mediana de tempo de 162 min desde a dor até ao diagnóstico é superior à apresentada no registo de Colónia de Flesch10 e no registo descrito por Le May11, alertando assim para a necessidade de realização de campanhas de educação da população que visem a ativação mais precoce do número de emergência médica.

A funcionalidade de uma VVC é essencialmente avaliada pela capacidade de realizar a transferência dos doentes desde que é efetuado o diagnóstico de EAMCST até ao hospital com possibilidade de angioplastia primária. Após analisar o gráfico que apresenta os tempos diagnóstico-balão, consoante a proveniência do doente, verifica-se que o local com maior intervalo diagnóstico-balão é o Hospital Barlavento Algarvio, situação que poderá ser justificada pela distância até ao Hospital de Faro (superior a 60 km) e por o INEM não efetuar transferências inter-hospitalares. Esta deficiência foi no entanto minorada pela existência de uma ambulância no local com uma equipa disponível para a transferência inter-hospitalar imediata 24h por dia. Os nossos tempos diagnóstico-balão, embora passíveis de serem melhorados, são inferiores aos apresentados noutros registos desenvolvidos em áreas urbanas e com vários hospitais com capacidade para realização de angioplastia primária10,11. O facto de 80% dos doentes cumprirem o intervalo aceite pelas normas internacionais mostra que, mesmo fora dos centros urbanos, é possível desenvolver um meio eficaz de transferência de doentes para realização de angioplastia primária.

O nosso tempo porta-balão também é mais baixo do que o referido noutros estudos e registos10–12, revelando a otimização do funcionamento do LHCI e a elevada capacidade técnica da equipa na realização de angioplastia primária. A grande experiência do hemodinamista (cerca de 200 angioplastias primárias/ano) é um fator chave para esta situação.

A taxa de ativação da VVC foi elevada (74% do total de doentes com EAMCST de localização anterior), o que reflete o facto da VVC se encontrar em funcionamento há vários anos e ter sido progressivamente otimizada. O facto de ainda existirem 23% dos doentes a recorrer diretamente ao SU do Hospital de Faro poderá levar a ponderar a realização de novas campanhas de sensibilização e educação do público.

A distribuição dos doentes ao longo do ano é relativamente constante, com um ligeiro aumento nos meses em que existe maior número de turistas no Algarve, nomeadamente no verão, na Páscoa e na passagem de ano. As características dos doentes são sobreponíveis às encontradas noutros estudos10,11, salientando-se a elevada percentagem de doentes idosos (43% com mais de 65 anos), o número de doentes que sofreram PCR (6 doentes) e o número de doentes que se apresentaram com choque cardiogénico (7 doentes). A presença de um Score TIMI ≥ 4 em 55% dos doentes mostra bem o elevado risco desta população de doentes com EAMCST anterior13. Esta percentagem é mais elevada do que a encontrada noutros estudos, o que poderá estar relacionado com a análise exclusiva dos doentes com EAMCST de localização anterior10,11.

A utilização da via radial em 82% dos doentes é superior à referida noutros registos, apesar da elevada experiência de centros como os referidos no registo de Ruzca14. A via radial tem sido referida como sendo, provavelmente, a via preferencial para a realização de angioplastia, devido à diminuta taxa de complicações hemorrágicas associada a esta técnica15. É constantemente referido, no entanto, que apenas deverá ser utilizada para a angioplastia primária em centros com elevada experiência na realização de angiografia e angioplastia eletiva por esta via, por forma a não ocasionar a um atraso na revascularização dos doentes com EAMCST. O LHCI apresenta um elevado número de procedimentos realizados pela via radial, estando de acordo com essas recomendações. O facto de o tempo desde a chegada ao LHCI até à insuflação de balão apresentar uma mediana de 15 min demonstra claramente a eficiência na realização desta técnica.

Este estudo mostrou que, apesar da competência dos profissionais de saúde na interpretação de ECG, 20% dos doentes não apresentavam doença coronária significativa aquando da realização da coronariografia. Estes resultados são mais elevados que os encontrados noutros registos com ativação da VVC9.

A existência de doença coronária multivaso em metade dos doentes não poderá ser considerada uma surpresa dado as características da população do estudo. A realização de revascularização completa nestes doentes é ainda controversa, embora alguns estudos tenham demonstrado a sua segurança na angioplastia primária16. No nosso estudo a revascularização completa foi opção do hemodinamista em 83% dos doentes e não se associou a qualquer tipo de complicações a curto prazo, o que parece confirmar a sua segurança.

Foram utilizados stents revestidos com fármaco na grande maioria dos doentes. Os estudos aleatorizados na utilização destes stents têm demonstrado a não inferioridade dos mesmos relativamente aos stents não revestidos no contexto da angioplastia primária17. O facto de se tratar de EAMCST de localização anterior apoia esta opção dada a grande área de miocárdio envolvido.

A mortalidade registada, quer intra-hospitalar quer aos 30 dias, de 3% é inferior à encontrada na literatura para EAMCST de localização anterior4–6, sendo significativamente mais baixa do que a esperada pelo Score TIMI (14%).

Uma das limitações deste estudo é o facto de não ter sido desenhado para determinar quais os fatores causais dessa redução de mortalidade. No entanto, os autores consideram que a redução da mortalidade poderá eventualmente estar relacionada com vários fatores, nomeadamente:

  • 1-

    Rede de emergência pré-hospitalar que permite o transporte rápido e eficiente dos doentes com EAMCST através da VVC, garantido o seu acompanhamento por profissionais com capacidade de prestar cuidados de suporte avançado de vida);

  • 2-

    Elevada taxa de ativação da VVC;

  • 3-

    Funcionamento otimizado do LHCI;

  • 4-

    Qualidade dos cuidados prestados na UCIC;

  • 5-

    Prestação de cuidados na enfermaria com monitorização contínua por telemetria e integração na reabilitação cardíaca.

Apesar de a baixa taxa de mortalidade observada, os fatores que se associaram à mortalidade foram a presença de choque cardiogénico e a idade superior a 80 anos, situação idêntica à encontrada noutros estudos e registos10,11.

Conclusão

A implementação da VVC com acesso direto a angioplastia primária associou-se a uma baixa taxa de mortalidade dos doentes admitidos por EAMCST anterior.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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