Informação da revista
Vol. 31. Núm. 7 - 8.
Páginas 469-476 (julho - agosto 2012)
Partilhar
Partilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
28443
Vol. 31. Núm. 7 - 8.
Páginas 469-476 (julho - agosto 2012)
Artigo Original
Open Access
O treino de ortostatismo (tilt training) aumenta a reserva vasoconstritora em doentes com síncope reflexa neurocardiogénica
Tilt training increases vasoconstrictor reserve in patients with neurocardiogenic syncope
Visitas
28443
Sérgio Laranjoa,b,
Autor para correspondência
sergiolaranjo@gmail.com

Autor para correspondência.
, Mário Martins Oliveiraa,b, Cristiano Tavaresa,b, Vera Geraldesa,b, Sofia Santosc, Eunice Oliveirac, Rui Ferreirac, Isabel Rochaa,b
a Instituto de Fisiologia e Unidade de Sistema Nervoso Autónomo, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
b Instituto de Medicina Molecular, Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal
c Serviço de Cardiologia, Hospital de Santa Marta, Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, Lisboa, Portugal
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Resume
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (2)
Tabelas (5)
Tabela 1. Dados demográficos
Tabela 2. Variação dos valores da RVP (dine*s/cm−5)
Tabela 3. Variação dos desvio-padrão da RVP
Tabela 4. Variação do efluxo autonómico para o sistema cardiovascular entre a primeira e a nona sessão
Tabela 5. Variação da sensibilidade do barorreflexo entre a primeira e a nona sessão
Mostrar maisMostrar menos
Resumo

A síncope neurocardiogénica (SNc) é uma entidade clínica comum, resultante de uma resposta autonómica reflexa excessiva durante o stress ortostático. As diferentes opções terapêuticas são controversas e de eficácia limitada. O treino de ortostatismo (TTr) tem-se mostrado uma alternativa prometedora no tratamento destes doentes (D). No entanto, permanece por esclarecer o seu mecanismo de ação e o impacto clínico numa população com SNc recorrente.

Objectivo

Caracterizar a resposta hemodinâmica e autonómica durante um programa de TTr em doentes com SNc refratária às medidas convencionais.

População e métodos

Foram estudados 28D (50% do sexo masculino, 41±14 anos), sem evidência de cardiopatia, com SNc documentada em teste de ortostatismo passivo. O TTr incluiu 9 sessões hospitalares (3x/semana, 30 minutos) com monitorização contínua de pressão arterial e frequência cardíaca (60° - 6 sessões - 70° - 3 sessões), complementadas com treino diário no domicílio e elevação da cabeceira a 10° durante o sono. O volume sistólico, o débito cardíaco, a resistência vascular periférica, a sensibilidade do barorreflexo e a variabilidade da frequência cardíaca foram calculados. Todos os doentes foram reavaliados no fim do 1.° mês e no final de cada 6 meses num período máximo de 36 meses (follow-up 24±12 meses).

Resultados

Ao longo das sessões de TTr verificou-se um aumento significativo e consistente da resistência total periférica (1485±225 vs. 1591±187 dyne*s/cm−5, p<0,05) associado a uma diminuição do seu desvio-padrão (206±60 vs. 150±42, p<0,05). Durante o período de follow-up, houve recorrência de síncope em 5D (19%), com redução significativa do numero de síncopes (4,0±3,2/D nos 12 meses pre-TTr vs. 1,4±0,8/D pos-TTr, p<0,05).

Conclusão

Em doentes com SNc refratária, o TTr mostrou ser uma opção terapêutica eficaz, com beneficio a longo prazo. A melhor tolerância ao ortostatismo parece resultar do aumento da reserva vasoconstritora e da sua menor variabilidade.

Palavras-chave:
Síncope
Treino de ortostatismo
Sistema nervoso autónomo
Abstract

Neurocardiogenic syncope (NCS) is a common clinical entity resulting from an excessive reflex autonomic response, particularly during orthostatism. Treatment options are controversial and of limited effectiveness. Tilt training (TT) is a promising option to treat these patients. However, its mechanism of action and clinical impact remain unclear.

Objective

To characterize hemodynamic and autonomic responses during a TT program in patients with NCS refractory to conventional measures.

Methods

We studied 28 patients (50% male, mean age 41±14 years) without structural heart disease, with NCS documented by tilt testing. The TT program included 9 tilt sessions (3 times a week, 30min) (60° – 6 sessions, 70° – 3 sessions), under ECG and blood pressure monitoring combined with home orthostatic self-training and 10° head-up during sleep. Systolic volume, cardiac output, total peripheral resistance, baroreflex sensitivity and heart-rate variability were computed. Patients were reassessed at 1 month and every 6 months for a maximum of 36 months (24±12 months).

Results

Over the course of the TT program there was a significant increase in total peripheral resistance (1485±225 vs. 1591±187 dyn·s·cm−5, p<0.05), with a decrease in standard deviation (206±60 vs. 150±42, p<0.05). During follow-up, syncope recurred in five patients (19%), with a significant reduction in the number of episodes (4.0±3.2/patient in the 12 months before TT vs. 1.4±0.8/patient post-TT, p<0.05).

Conclusion

In refractory NCS, TT may be an effective therapeutic option, with long-term benefits. These results appear to be due to an increase in vasoconstrictor reserve combined with a reduction in its variance.

Keywords:
Syncope
Tilt training
Autonomic nervous system
Texto Completo
Introdução

A síncope definida como a perda transitória de consciência devida a hipoperfusão cerebral transitória e caracterizada por um início rápido, uma duração curta e recuperação espontânea completa é uma doença comum na população geral, com uma incidência estimada entre 18,1 e 39,7 eventos sincopais/1000 pessoas ano1. Esta situação clínica que condiciona um marcado impacto na qualidade de vida dos doentes, estando associada a uma elevada morbilidade, risco de lesões físicas e absentismo laboral2,3. A síncope reflexa (SNc) é a sua forma mais comum, apresentando uma maior incidência em adultos jovens4,5.

A patofisiologia da síncope reflexa é ainda pouco conhecida, não obstante, está já demonstrado que a reatividade alterada do sistema nervoso autónomo a estímulos geradores de stress, como o ortostatismo ativo, está envolvida no desencadear da resposta sincopal6.

Várias opções terapêuticas têm sido propostas ao longo dos anos como tratamento da síncope reflexa. Estas vão desde medidas comportamentais até ao pacing cardíaco, passando por várias opções de terapêutica farmacológica. No entanto, todas se revelaram apenas parcialmente eficazes nos indivíduos selecionados.

Em 1998, foi proposta uma nova alternativa terapêutica não farmacológica para a síncope reflexa: o treino de ortostatismo (Tilt training- TTr). De facto, Ector et al.7 mostraram que a exposição repetida e prolongada do sistema cardiovascular a estímulos ortostáticos proporcionava um efeito terapêutico em doentes com síncope reflexa. A eficácia do tilt training tem sido avaliada em vários estudos observacionais, não aleatorizados8-10, mas os resultados obtidos têm sido contraditórios, dependendo muito do protocolo de treino e, essencialmente, da adesão dos doentes. Os seus mecanismos de ação são globalmente desconhecidos, pensando-se que possam estar envolvidos não só a dessensibilização dos recetores cardiopulmonares ao ortostatismo mas, também, mecanismos de remodelagem autonómia e da atividade barorreflexa.

Assim, é objetivo do presente trabalho contribuir para a clarificação dos mecanismos de ação do Tilt training (TTr), mais especificamente, a caracterização da resposta hemodinâmica e autonómica em doentes com SNc refratária às medidas convencionais e aos quais foi aplicado um programa de TTr. Parte deste trabalho recebeu o Prémio de melhor comunicação apresentada ao Congresso Português de Cardiologia em 2010.

População e métodosPopulação

Entre 2007 e 2010 foram incluídos no presente estudo 28 doentes (50% do sexo masculino, 41±14 anos), com mais de dois episódios sincopais nos 6 meses precedentes. Todos os doentes tinham SNc refratária às medidas convencionais (meias de contenção elásticas; midrodrine; paroxetina; manobras de contrapulsão) e documentada em teste de tilt diagnóstico, de acordo com o protocolo padrão adotado pelo nosso centro. De uma forma breve, após um período de repouso em posição supina, o doente era sujeito a uma fase de teste de tilt passivo durante 20min/70° no final da qual, caso não tivesse ocorrido síncope espontânea, lhe eram administrados nitratos sublinguais na dose de 375μg. A prova terminava com a ocorrência de resposta positiva ou, caso esta não se observasse, 20 minutos após a administração dos fármacos11. Definiu-se como uma resposta positiva ao teste de tilt diagnóstico a reprodução de síncope associada a bradicardia (com diminuição da frequência cardíaca > 30% do valor máximo observado em ortostatismo), a hipotensão (com diminuição da pressão arterial sistólica > 50% do valor máximo observado em ortostatismo), ou a ambas, e classificada de acordo com a classificação VASIS11. Os critérios de exclusão foram os seguintes: 1) presença de cardiopatia estrutural ou alteração do ritmo cardíaco; 2) causa neurológica para a síncope, incluindo hipotensão ortostática clássica ou tardia; 3) resposta exagerada aos nitratos; 4) recusa em fornecer consentimento informado; 5) incapacidade física de permanecer 30min em posição ortostática; 6) impossibilidade de descontinuar temporariamente medicação cardiovascular que pudesse interferir nas avaliações do sistema nervoso autónomo; 7) gravidez.

Este estudo cumpre os requisitos da Declaração de Helsínquia, tendo sido obtido o consentimento informado de todos os doentes.

Programa de Tilt Training

O protocolo de TTr possui dois componentes que decorrem em simultâneo: o primeiro, realizado em meio hospitalar, é constituído por nove sessões de treino ortostático, de periodicidade trissemanal, sempre no período da manhã, após um pequeno-almoço ligeiro, sem ingestão de cafeína ou outras xantinas. O TTr foi realizado num laboratório dedicado à avaliação autonómica, em ambiente calmo com temperatura e humidade controladas. Após um período de 15 minutos de repouso em posição supina (0°), os doentes foram colocados numa mesa basculante, com apoio para os pés, seguros com amarras de imobilização, para impedir quedas, na eventualidade da ocorrência de síncope. Nas duas primeiras semanas os doentes foram submetidos durante 30 minutos a TTr com inclinação da mesa basculante a 60°, a qual passou, na terceira semana, a uma inclinação de 70°. Durante o TTr, os doentes foram monitorizados através do registo contínuo e não invasivo da pressão arterial, do eletrocardiograma (ECG) e da impedância torácica (Task Force Monitor, CNSystems, Austria), sendo o teste interrompido sempre que se verificasse sintomatologia. As sessões hospitalares foram complementadas com treino diário no domicílio, com o doente durante 20 minutos em posição ortostática a 60° contra superfície vertical plana e os pés afastados (a cerca de 15cm da parede) e elevação da cabeceira a 10° durante o sono. Os doentes estavam instruídos para interromperem a manobra ortostática diária, em qualquer momento, se pressentissem o início de sintomas. Todos os doentes foram reavaliados clinicamente no 1.° mês e a cada 6 meses, num período máximo de 36 meses.

Aquisição e análise de dados

Os intervalos RR (RRI) e os sinais de pressão arterial sistólica (PAS) foram registados de forma contínua, batimento-a-batimento (Task Force Monitor, CNSystems, Graz, Austria). Os restantes parâmetros hemodinâmicos frequência cardíaca (FC), pressão arterial média (MAP), volume sistólico (VS), débito cardíaco (DC) e resistência vascular periférica (RVP) foram calculados com base no sinal de impedância torácica (Task Force Monitor, CNSystems, Graz, Austria).

A análise de dados foi realizada recorrendo a uma interface programada em Matlab (MathWorks, USA). Para o efeito, foi implementada uma rotina de modo a detetar os picos de pressão arterial sistólica (PAs) e os pontos fiduciais das ondas R de cada complexo eletrocardiográfico, batimento-a-batimento, e de forma que fosse possível a reconstrução de uma curva de evolução temporal da pressão arterial (sistograma) e da frequência cardíaca (FC; tacograma). Os sinais reconstruídos foram utilizados para o cálculo da variabilidade da frequência cardíaca e da pressão arterial e para o cálculo da sensibilidade do barorreflexo.

Variabilidade da frequência cardíaca e da pressão arterial sistólica

Neste estudo, a técnica de autorregressão foi utilizada para extração das características dos sinais cardiovasculares: frequência cardíaca e pressão arterial. O período de tempo total da manobra foi segmentado em intervalos de 5 minutos, não só para facilitar a computação mas, principalmente, para melhor se visualizar a dinâmica das alterações cardiovasculares que decorreram durante toda a manobra. Para cada um dos intervalos analisados obteve-se um espetro de potência de frequências, tendo sido isoladas duas bandas principais: alta frequência (HF; 0,15-0,4Hz), marcadora da atividade parassimpática; baixa frequência (LF; 0,04-0,15Hz), indicadora da atividade simpática12.

Sensibilidade e efetividade do barorreflexo

A sensibilidade do barorreflexo permite elucidar acerca da resposta final global decorrente da ativação do reflexo barorrecetor através da avaliação das alterações de frequência cardíaca em relação às alterações simultâneas de pressão arterial. No presente trabalho, a sensibilidade do barorreflexo foi estimada segundo o método sequencial. Em resumo: o sinal de pressão arterial sistólica foi analisado com o objetivo de identificar as rampas de três ou mais batimentos cardíacos consecutivos com um aumento progressivo (up-ramp), ou diminuição (down-ramp), de pelo menos 1mmHg de pressão arterial. O algoritmo identificou as sequências espontâneas de barorreflexo, definidas como rampas de pressão arterial sistólica (PAs) seguidas por variações concomitantes e concordantes de RRI ≥ a 5ms, variações essas que são analisadas em três desfasamentos (lags) temporais: de −0, −1 e −2 batimentos cardíacos. Cada sequência é incluída apenas uma vez13. Para cada sequência espontânea foi calculado o declive da relação linear entre a PAs e os valores de RRI. Foram analisados apenas os períodos com valores de coeficiente de correlação > 0,8.

Para cada período selecionado para análise foi calculado o índice de efetividade do barorreflexo (BEI). O BEI é definido como a razão entre o número total de sequências de barorreflexo detetadas e o número total de rampas de PAs13. Quanto maior o valor de BEI, maior o número de rampas de PAs que são seguidas de alterações de RRI, ou seja, maior a eficácia do reflexo barorrecetor na adaptação cardiovascular que é exigida.

Análise estatística

Para análise estatística (SPSS, Vs 18), cada sessão de treino foi dividida em sete períodos de 5 minutos, o primeiro correspondendo ao período basal, os restantes após elevação da mesa basculante.

As variáveis contínuas são apresentadas como média ± desvio padrão. A assumção de normalidade da distribuição das variáveis contínuas foi analisada com o teste de Kolmogorov-Smirnov. Foram analisados e comparados os resultados da primeira e da nona sessão de TTr utilizando o teste t-student para dados emparelhados. Foi considerada significância estatística para valores de p<0,05.

Resultados

Foram incluídos neste estudo 28 doentes, 14 dos quais do sexo masculino, com idade de 41±14 anos. O número médio de recorrências de síncope, antes do início do programa de TTr, foi de 4,0±3,2 episódios sincopais/ano/doente (ver resumo na Tabela 1).

Tabela 1.

Dados demográficos

  n=28 
Doentes do sexo masculino (n)  14 
Altura (cm)  1668 
Peso (kg)  69,3±13 
Idade (anos)
Média±SD  41±14 
Mediana  40 
Intervalo etário  22-71 
Eventos sincopais antes do treino (n/ano/doente)  4,0±3,2 
Variação de parâmetros hemodinâmicos

Frequência cardíaca: quando se comparam os resultados da primeira sessão de TTr com os da nona sessão, observa-se uma tendência para a diminuição dos valores de FC (Figura 1).

Figura 1.

Nesta figura mostra-se a evolução das variáveis hemodinâmicas ao longo do tempo, entre a primeira e a última sessão de treino de ortostatismo. Note-se a tendência para a variação das respostas no sentido de uma melhor adaptação.

(0.29MB).

Pressão arterial média (PAM) e volume sistólico (VS): os valores de PAM (Figura 1) e os de VS (Figura 1) aumentam não significativamente quando se comparam os resultados da primeira com os da nona sessão (Tabela 2).

Tabela 2.

Variação dos valores da RVP (dine*s/cm−5)

  Sessão1  Sessão 9 
Repouso  1455,1±287  1625,5±316 
5min  1553,3±380  1781,9±330a 
10min  1545,8±334  1790,7±323a 
15min  1462,2±334  1818,7±361b 
20min  1455,3±351  1767,9±270b 
25min  1469,8±359  1759,8±293a 
30min  1337,1±365  1535,7±340a 
a

p<0,05.

b

p<0,01.

Débito cardíaco (DC): no caso do DC não se observam alterações entre os resultados da primeira com os da última sessão (Figura 1).

Resistência vascular periférica (RVP): em relação à RVP (fig. 2e 2), observa-se um aumento estatisticamente significativo dos seus valores entre a primeira e a última sessão (1485±225 versus 1591±187 dyne*s/cm−5, p<0,05), o que também é evidenciado pelas modificações observadas nos seus desvios-padrão (206±60 versus 150±42, p<0,05), os quais traduzem uma tendência para o alcançar de um valor de equilíbrio dinâmico mais baixo, como pode ser observado na Tabela 3.

Figura 2.

Nestes doentes, a resistência vascular periférica varia significativamente entre o início e o fim do treino, sendo o seu aumento um dos fatores implicados na ausência e/ou diminuição dos episódios sincopais.

(0.09MB).
Tabela 3.

Variação dos desvio-padrão da RVP

  Sessão 1  Sessão 9 
Repouso  225,45±83  184,52±80* 
5min  159,33±63  132,05±36* 
10min  156,23±48  134,73±46 
15min  159,27±38  143,55±41 
20min  151,37±46  140,76±32 
25min  155,04±49  138,54±32* 
30min  226,70±93  193,99±60 
*

p<0,05.

Função autonómica cardiovascular

Em relação à avaliação do comportamento do sistema nervoso autónomo para o coração ao longo das diferentes sessões, os estudos de variabilidade da frequência cardíaca e da pressão arterial utilizando a técnica de autorregressão evidenciam um aumento do tónus simpático, que se traduz, durante o TTr, num aumento progressivo da atividade autonómica global (Tabela 4) e no aumento significativo dos índices de variabilidade nas bandas das LF (sistema nervoso simpático) e das HF (sistema nervoso parassimpático). Este aumento da atividade autonómica pode, igualmente, ser observado, ainda que não com significado estatístico através das modificações do índice de efetividade do barorreflexo – BEI (Tabela 5).

Tabela 4.

Variação do efluxo autonómico para o sistema cardiovascular entre a primeira e a nona sessão

  20min25min30min
  Sessão 1  Sessão 9  Sessão 1  Sessão 9  Sessão 1  Sessão 9 
RRI (ms2)
LF  500,87±106  942,90±280*  544,08±146  914,64±225*  712,91±288  1063,4±216* 
HF  217±74  335,18±103*  182,06±54  325,27±100*  208,17±62  524,6±120* 
SBP (mmHg2)
LF  5,11±0,8  7,56±0,9*  5,32±0,7  7,42±0,8*  5,64±0,7  6,92±0,7* 
HF  1,62±0,2  2,58±0,6*  1,49±0,2  2,45±0,6*  2,05±0,6  1,95±0,3 
*

p<0,05.

Tabela 5.

Variação da sensibilidade do barorreflexo entre a primeira e a nona sessão

  Sessão 1  Sessão 9 
Rest  57,971±17  65,13±18  0,16 
5min  61,06±20  69,69±17  0,08 
10min  66,631±13  65,14±15  0,46 
15min  63,771±15  64,04±20  0,45 
20min  63,21±18  64,41±17  0,31 
25min  62,360±14  67,95±16  0,08 
30min  65,73±14  64,95±19  0,5 
Avaliação e seguimento dos doentes

Nos doentes submetidos ao programa de TTr verificou-se uma redução significativa do número de episódios sincopais, de 4,0±3,2/doente nos 12 meses antes do treino para 1,3±0,8/doente após o treino ortostático (p<0,05). Em cinco doentes (17%) não se observaram alterações no padrão dos episódios sincopais. Apesar de todos os doentes terem cumprido a totalidade das sessões hospitalares, observou-se, ao fim de um ano, que 11 destes doentes (39%) deixaram de efetuar o treino domiciliário por sentirem melhoria da sua sintomatologia.

Discussão

Tanto quanto é do nosso conhecimento, este é o primeiro estudo que combina a avaliação simultânea das alterações cardiocirculatórias, da atividade autonómica para o sistema cardiovascular e da sensibilidade do barorreflexo, induzidas pelo TTr em doentes com SNc refratária às medidas convencionais. Mostramos o aumento significativo da reserva vasoconstritora nestes doentes após nove sessões de treino. Verificamos, igualmente, um aumento significativo da sensibilidade do barorreflexo determinada pelo método sequencial, bem como dos parâmetros da variabilidade da frequência cardíaca (LF e HF) calculados através da técnica da autorregressão. Os nossos resultados mostram que o TTr aumenta o tónus autonómico, com um aumento significativo da atividade simpática e parassimpática, bem como da sensibilidade do barorreflexo, após três semanas de treino. Estas respostas, que, em nossa opinião, se devem principalmente a uma remodelagem da atividade autonómica para a periferia, em particular para o sistema cardiovascular, foram benéficas para os doentes ao reduzirem significativamente o número de episódios sincopais, confirmam o TTr como uma modalidade terapêutica a ser usada como complemento às medidas terapêuticas convencionais.

A SNc é a mais frequente causa de perda transitória de consciência, podendo ser desencadeada por vários estímulos de natureza variada como, por exemplo, a exposição a stress emocional, calor ou permanência prolongada em posição ortostática. Apesar de o prognóstico ser globalmente benigno, é acompanhado de uma marcada diminuição da qualidade de vida dos doentes, seja por risco acrescido de trauma físico ou pela diminuição da autoconfiança associada ao receio de novos episódios de síncope.

As opções terapêuticas para este grupo de doentes são limitadas. De facto, o objetivo nestes doentes traduz-se na prevenção de novas recorrências e dos danos físicos a elas associados e na melhoria geral da sua qualidade de vida. Assim, as medidas mais comuns incluem o apoio educacional a fim de evitar possíveis causas desencadeantes, o reconhecimento de pródromos e a execução de manobras/gestos que possam abortar o episódio sincopal. Em alguns doentes, a terapêutica farmacológica pode complementar estas medidas, enquanto que o pacing cardíaco se encontra reservado a grupos específicos de indivíduos1.

Até ao momento, alguns estudos têm indicado o treino de ortostatismo como uma medida terapêutica com algumas limitações, sendo a principal a necessidade de adesão do doente a um tratamento de longa duração14,15). De facto, a adesão ao TTr pode tornar-se problemática, principalmente nos doentes que, após algumas sessões, se tornam assintomáticos, sendo, por isso, importante o reforço educacional e da motivação para o treino.

De igual modo, as guidelines 1 sobre síncope indicam a não existência de estudos não aleatorizados que provem a utilidade do treino de ortostatismo como fator para que esta modalidade terapêutica não seja amplamente usada. De facto, ao compararmos o nosso trabalho com esses estudos14,15 verificamos algumas diferenças que poderão ser importantes para as conclusões que são extraídas, nomeadamente, os critérios de inclusão dos doentes, o desenho do protocolo de treino mas, principalmente, o end point que é, de facto, diverso e leva, consequentemente, a diferenças na interpretação de resultados e na avaliação da eficácia do treino. Assim, enquanto, no nosso estudo, pretendemos saber qual a eficácia do TTr, complementado com as manobras no domicílio, sobre a diminuição do número de episódios sincopais e, por isso, na melhoria da qualidade de vida do doente, Foglia et al. apresentam como end point o desencadear ou não de síncope durante um teste de tilt efetuado um mês após o fim do treino de ortostatismo. Neste caso, pode-se discutir se o objetivo do treino é a capacidade de induzir alterações que permitam ao indivíduo efetuar, com melhorias significativas, as suas rotinas diárias ou se, pelo contrário, é uma manobra que quer preparar o indivíduo para reagir a estímulos intensos como uma mudança abrupta para a posição ortostática. É nossa opinião, depois de avaliarmos os nossos doentes, que a escolha do end point deverá incidir sobre a primeira opção e, nestas circunstâncias, o treino de ortostatismo mostra-se eficaz.

Na mesma linha das nossas conclusões encontram-se os trabalhos de Abe16,17 e os de Reybrouck18,19. De facto, Abe et al., com um protocolo de treino ortostático semelhante ao nosso, observaram a não existência de episódios sincopais espontâneos e não conseguiram induzir síncope com teste de stress ortostático. Estas observações foram confirmadas também por Reybrouck et al., que reportaram um número significativamente inferior de episódios sincopais nos doentes após o treino de ortostatismo complementado com manobras no domicílio. Estes autores reportaram, ainda, que os doentes que abandonaram o treino ortostático sem o completar não tiveram nenhum episódio sincopal até um ano após o abandono, o que sugere uma restauração da atividade autonómica reflexa nestes doentes.

No entanto, apesar da demonstração da eficácia do treino, os mecanismos fisiológicos subjacentes à melhoria do estado geral apresentado pelos doentes ainda não estão bem determinados. Estudos anteriores apontaram para a possibilidade do envolvimento de mecanismos humorais sistema renina-angiotensina20, alterações barorreflexas e modificações autonómicas gerais nas respostas observadas21-24. Em particular, Ector et al.23 observaram o aumento da reserva vasoconstritora sem alterações simultâneas do barorreflexo ou do tónus autonómico. Por seu lado, Pin Tan et al.24, documentam um aumento das altas (HF) e baixas frequências (LF), indicadores de aumento do tónus autonómico. O presente trabalho é o primeiro a relacionar alterações hemodinâmicas com modificações do tónus autonómico efetuada pela avaliação da sensibilidade do barorreflexo e da avaliação da variabilidade da pressão arterial e da frequência cardíaca. Assim, os nossos resultados mostram um aumento significativo da RVP juntamente com o aumento significativo de LF e HF e da sensibilidade ao barorreflexo sem alterações significativas das outras variáveis. Estas variações permitem dizer que o aumento da RVP se deve preferencialmente a um aumento da atividade simpática para os vasos, permitindo a manutenção da pressão arterial sem grandes variações durante a alteração postural. Por outro lado, observa-se uma tendência para o aumento ligeiro da pressão arterial média que é acompanhado, como seria esperado, pela diminuição da resposta cronotrópica, o que é traduzido no aumento da altas frequências e pelo ligeiro aumento, não significativo, da sensibilidade ao barorreflexo e da sua eficácia na adaptação às alterações de postura. Para além destas variações de RVP, há ainda a salientar a diminuição da variabilidade dos desvios-padrão da RVP que traduz, no nosso entender, uma remodelagem simpática periférica e somática. De facto, a menor variabilidade dos desvios-padrão da RVP indica que o indivíduo passou de uma posição de grande oscilação em torno de um valor médio de equilíbrio para uma posição de menor oscilação que lhe permite adaptar melhor, ou seja, adaptar com menos variações durante as alterações posturais. Por outro lado, embora não avaliado no presente trabalho, o TTr poderá igualmente induzir um aumento do tónus muscular dos membros inferiores que coadjuvará o aumento da RVP, permitindo uma melhor adaptação postural.

Em conclusão, nos doentes com síncope reflexa refratária, o nosso protocolo de treino mostrou ser uma opção terapêutica eficaz, com benefícios a longo prazo, permitindo uma melhor tolerância ao ortostatismo através de três mecanismos principais: aumento da reserva vasoconstritora e da sua menor variabilidade; aumento global do tónus autonómico e alteração da atividade barorreflexa e sugerindo uma melhoria na qualidade de vida dos doentes.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Bibliografia
[1]
A. Moya, R. Sutton, F. Ammirati, et al.
Guidelines for the diagnosis and management of syncope (version 2009). The Task Force for the Diagnosis and Management of Syncope of the European Society of Cardiology (ESC).
Eur Heart J, 30 (2009), pp. 2631-2671
[2]
N. Van Dijk, M.A. Sprangers, N. Colman, et al.
Clinical factors associated with quality of life in patients with transient loss of consciousness.
J Cardiovasc Electrophysiol, 17 (2006), pp. 998-1003
[3]
N. Van Dijk, M.A. Sprangers, K.R. Boer, et al.
Quality of life within one year following presentation after transient loss of consciousness.
Am J Cardiol, 100 (2007), pp. 672-676
[4]
K.S. Ganzeboom, N. Colman, J.B. Reitsma, et al.
Prevalence and triggers of syncope in medical students.
Am J Cardiol, 91 (2003), pp. A1008
[5]
W. Wieling, K.S. Ganzeboom, J.P. Saul.
Reflex syncope in children and adolescents.
Heart, 90 (2004), pp. 1094-1100
[6]
D.G. Benditt, J.G. Van Dijk, R. Sutton, et al.
Curr Probl Cardiol, 29 (2004), pp. 152-229
[7]
H. Ector, T. Reybrouck, H. Heidbüchel, et al.
Tilt training: A new treatment for recurrent neurocardiogenic syncope and severe orthostatic intolerance.
Pacing Clin Electrophysiol, 21 (1998), pp. 193-196
[8]
E. Di Girolamo, C. Di Iorio, L. Leonzio, et al.
Usefulness of a tilt training program for the prevention of refractory neurocardiogenic syncope in adolescents: A controlled study.
Circulation, 100 (1999), pp. 1798-1801
[9]
H. Abe, S. Kondo, K. Kohshi, et al.
Usefulness of orthostatic self-training for the prevention of neurocardiogenic syncope.
Pacing Clin Electrophysiol, 25 (2002), pp. 1454-1458
[10]
J. Gajek, D. Zyśko, W. Mazurek.
Efficacy of tilt training in patients with vasovagal syncope.
Kardiol Pol, 64 (2006), pp. 602-608
[11]
A.T. Timoteo, M.M. Oliveira, J. Feliciano, et al.
Head-up tilt testing with different nitroglycerin dosages: Experience in elderly patients with unexplained syncope.
Europace, 10 (2008), pp. 1091-1094
[12]
Heart rate variability: Standards of measurement, physiological interpretation and clinical use.
Task Force of the European Society of Cardiology and the North American Society of Pacing and Electrophysiology.
Circulation, 93 (1996), pp. 1043-1065
[13]
M. Di Rienzo, G. Parati, P. Castiglioni, et al.
Baroreflex effectiveness index: An additional measure of baroreflex control of heart rate in daily life.
Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol, 280 (2001), pp. R744-R751
[14]
G. Foglia-Manzillo, F. Giada, G. Gaggioli, et al.
Efficacy of tilt training in the treatment of neurally mediated syncope. A randomized study.
Europace, 6 (2004), pp. 199-204
[15]
O. Gurevitz, A. Barsheshet, D. Bar-Lev, et al.
Tilt training: Does it have a role in preventing vasovagal syncope?.
Pacing Clin Electrophysiol, 30 (2007), pp. 1499-1505
[16]
H. Abe, K. Kohshi, Y. Nakashima.
Efficacy of orthostatic self-training in medically refractory neurocardiogenic syncope.
Clin Exp Hypertens, 25 (2003), pp. 487-493
[17]
H. Abe, M. Sumiyoshi, K. Kohshi, et al.
Effects of orthostatic self-training on head-up tilt testing for the prevention of tilt-induced neurocardiogenic syncope: Comparison of pharmacological therapy.
Clin Exp Hypertens, 25 (2003), pp. 191-198
[18]
T. Reybrouck, H. Heidbüchel, F. Van De Werf, et al.
Long-term follow-up results of tilt training therapy in patients with recurrent neurocardiogenic syncope.
Pacing Clin Electrophysiol, 25 (2002), pp. 1441-1446
[19]
T. Reybrouck, H. Ector.
Tilt training: A new challenge in the treatment of neurally mediated syncope.
Acta Cardiol, 61 (2006), pp. 183-189
[20]
J. Gajek, D. Zyśko, S. Krzemińska, et al.
The influence of a tilt training programme on the renin-angiotensin-aldosterone system activity in patients with vasovagal syncope.
Acta Cardiol, 64 (2009), pp. 505-509
[21]
H. Abe, K. Kohshi, Y. Nakashima.
Effects of orthostatic self-training on head-up tilt testing and autonomic balance in patients with neurocardiogenic syncope.
J Cardiovasc Pharmacol, 41 (2003), pp. S73-S76
[22]
J. Gajek, D. Zyśko, B. Halawa, et al.
Influence of tilt training on activation of the autonomic nervous system in patients with vasovagal syncope.
Acta Cardiol, 61 (2006), pp. 123-128
[23]
B. Verheyden, H. Ector, A.E. Aubert, et al.
Tilt training increases the vasoconstrictor reserve in patients with neurally mediated syncope evoked by head-up tilt testing.
Eur Heart J, 29 (2008), pp. 1523-1530
[24]
M.P. Tan, J.L. Newton, T.J. Chadwick, et al.
Home orthostatic training in vasovagal syncope modifies autonomic tone: Results of a randomized, placebo-controlled pilot study.
Europace, 12 (2010), pp. 240-246
Copyright © 2011. Sociedade Portuguesa de Cardiologia
Baixar PDF
Idiomas
Revista Portuguesa de Cardiologia
Opções de artigo
Ferramentas
en pt

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos

Ao assinalar que é «Profissional de Saúde», declara conhecer e aceitar que a responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos utilizadores da página de internet da Revista Portuguesa de Cardiologia (RPC), é esta entidade, com sede no Campo Grande, n.º 28, 13.º, 1700-093 Lisboa, com os telefones 217 970 685 e 217 817 630, fax 217 931 095 e com o endereço de correio eletrónico revista@spc.pt. Declaro para todos os fins, que assumo inteira responsabilidade pela veracidade e exatidão da afirmação aqui fornecida.