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Vol. 30. Núm. 12.
Páginas 891-896 (dezembro 2011)
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Vol. 30. Núm. 12.
Páginas 891-896 (dezembro 2011)
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Embolização percutânea de fístulas coronárias – Experiência de um centro
Percutaneous embolization of coronary fistulas: a single-center experience
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Margarida Silva
Autor para correspondência
margaridaoms@gmail.com

Autor para correspondência.
, Nuno Carvalho, Ana Teixeira, Graça Nogueira, Isabel Menezes, Rui Ferreira, Fernando Maymone-Martins, Rui Anjos
Serviço de Cardiologia Pediátrica, Hospital de Santa Cruz, CHLO, Carnaxide, Portugal
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Tabela 1. Características demográficas da população.
Resumo
Introdução

Uma fístula coronária é uma conexão entre uma artéria coronária e uma cavidade cardíaca ou grande vaso. É um defeito raro e que geralmente ocorre de forma isolada. Apesar de a ecocardiografia bidimensional ter um papel importante no diagnóstico, a angiotomografia computorizada ou a angiografia coronária são importantes para a delineação da anatomia. A cirurgia é o tratamento tradicional, mas o encerramento percutâneo é actualmente o método recomendado, com excelentes resultados e baixa morbilidade em grupos com experiência em embolização terapêutica.

População e métodos

Descrevemos a experiência do nosso centro no tratamento percutâneo de 15 fístulas coronárias em 12 doentes entre 1996 e 2011. Oito (67%) eram do sexo masculino. A idade mediana foi de 25 anos. Os motivos de referência mais frequentes foram sopro e/ou cansaço. Todas as fístulas eram de origem congénita. Cinco doentes (42%) tinham patologia cardíaca concomitante: atrésia da pulmonar com septo interventricular intacto (1), canal arterial persistente (1), comunicação interauricular ostium secundum (1), estenose aórtica em válvula aórtica biscúspide (1), estenose pulmonar crítica operada no período neonatal (1). Três doentes tinham duas fístulas coronárias e nos restantes a lesão era única. As fístulas eram hemodinamicamente significativas, com origem no território da coronária direita (n=10), da coronária esquerda (n=3) e da circunflexa (n=2) e drenavam para o ventrículo direito (n=5), artéria pulmonar (n=6), aurícula direita (n=2), seio coronário (n=1) e ventrículo esquerdo (n=1). O material de embolização incluiu coils standard, coils de libertação controlada, microcoils (simples, GDC ou IDC) e um dispositivo Amplatzer® Duct Occluder.

Resultados

A embolização da fístula foi obtida em todos os doentes. Não houve mortalidade. Ocorreu enfarte do ventrículo direito num doente com fístula de grandes dimensões e coronária direita de diâmetro muito reduzido distalmente à emergência da fístula. Em três casos ocorreram complicações minor: embolização inadvertida de coil, recuperado no mesmo procedimento (1), arritmia transitória (1) e pseudo-aneurisma femoral (1).

Num seguimento médio de 4,9 anos (um mês a 14 anos) não se registaram intercorrências relacionadas com o procedimento. O controlo por ecocardiograma e/ou angiografia coronária mostrou que em dez doentes ocorreu oclusão eficaz e permanente das fístulas, enquanto que dois doentes mantiveram fluxo residual mínimo, por pequenos vasos acessórios, sem repercussão hemodinâmica.

Conclusão

As embolizações terapêuticas representam uma forma eficaz de abordagem de fístulas coronárias seleccionadas. Estas anomalias têm características muito variáveis, pelo que é necessário dispor de um grande leque de dispositivos para seleccionar a opção mais eficaz.

Palavras-chave:
Fístulas coronárias
Embolização
Intervenção percutânea
Abstract
Introduction

A coronary fistula is a connection between one of the coronary arteries and a cardiac chamber or great artery. It is a rare defect and usually occurs in isolation. Two-dimensional echocardiography has an important role in diagnosis but coronary or CT angiography is essential to delineate the anatomy. Surgery is the traditional therapeutic approach but percutaneous closure is now the recommended method, with excellent results and few complications in experienced centers.

Methods

We describe our experience with percutaneous treatment of 15 coronary fistulas in 12 patients between 1996 and 2011. Eight (67%) were male and median age was 25 years. The most frequent symptoms were murmur and/or fatigue. All fistulas were congenital. Five patients (42%) had concomitant cardiac disease: pulmonary atresia with intact ventricular septum (1), patent ductus arteriosus (1), ostium secundum atrial septal defect (1), stenotic bicuspid aortic valve (1), and critical pulmonary stenosis operated in the neonatal period (1). Three patients had two fistulas, while the others had a single lesion. All fistulas were hemodynamically significant. They originated in the territory of the right coronary (10), left coronary (3) and circumflex (2), draining into the right ventricle (5), pulmonary artery (6), right atrium (2) coronary sinus (1) and left ventricle (1). Embolization materials included standard coils, controlled-release coils, microcoils (standard, GDC or IDC) and an Amplatzer® duct occluder.

Results

Embolization was achieved in all patients. There was no mortality. One patient with a large fistula and a very small right coronary artery distally to the origin of the fistula had a right ventricular infarction. In three patients there were minor complications: inadvertent coil embolization, recovered in the same procedure (1), transient arrhythmia (1) and femoral pseudo-aneurysm (1). In a mean follow-up of 4.9 years (one month to 14 years), there were no procedure-related complications. Echocardiographic and/or angiographic control showed complete and permanent occlusion in ten patients and minimal residual flow in two patients through small collaterals with no hemodynamic significance.

Conclusion

Percutaneous embolization represents an effective form of treatment for selected coronary fistulas. A wide range of embolization devices must be available to ensure the best therapeutic approach.

Keywords:
Coronary fistulas
Embolization
Percutaneous intervention
Texto Completo
Introdução

Uma fístula coronária é uma conexão entre uma artéria coronária e uma cavidade cardíaca ou grande vaso1–4. É um defeito raro e que geralmente ocorre de forma isolada, mas constitui a mais frequente anomalia congénita coronária hemodinamicamente significativa5. A incidência exacta é desconhecida, mas estima-se que seja de cerca de 0,3 a 0,8%, como evidenciado em cateterismos cardíacos de diagnóstico.1,6 A maior parte das fístulas coronárias é de origem congénita, mas pode ocorrer após cirurgia cardíaca ou trauma4,10. Habitualmente não cursam com sintomas nas primeiras décadas de vida, sobretudo se pequenas4. A partir dessa altura, a frequência de sintomas e complicações aumenta. Possíveis complicações incluem «roubo’» ao miocárdio adjacente, trombose, embolismo, insuficiência cardíaca, fibrilhação auricular, endocardite/ endarterite, ruptura e arritmias1,2. O diagnóstico diferencial principal é a persistência do canal arterial e fístulas arteriovenosas7.

Apesar de a ecocardiografia bidimensional e o Doppler codificado a cores terem um papel importante no diagnóstico de fístula coronária, a angiografia coronária ou a tomografia computorizada cardíaca são essenciais para a delineação da anatomia. A cirurgia é o tratamento tradicional, mas o encerramento percutâneo é uma alternativa com bons resultados e poucas complicações em grupos com experiência em embolização terapêutica4. O encerramento da fístula deve ser feito sempre que esta seja hemodinamicamente significativa4,8.

Descrevemos a experiência do nosso centro no encerramento percutâneo de fístulas coronárias entre 1996 e 2011.

População e métodos

Descrevemos a experiência do nosso centro no tratamento percutâneo de 15 fístulas coronárias em 12 doentes entre 1996 e 2011. Oito (67%) eram do sexo masculino. A idade mediana foi 25 anos (Tabela 1).

Tabela 1.

Características demográficas da população.

Sexo  Fístulas  Idade  Comorbilidades 
64  EAM 
53 
13 
61  Padrão Brugada 
11  PCA 
74  Est A, v. bicúspide 
14  Est pulm crítica 
Atr AP SIV intacto 
CIA 
10  55 
11 
12  39 

Atr AP SIV intacto: atrésia da válvula pulmonar com septo interventricular intacto; CIA: comunicação interauricular; EAM: enfarte agudo do miocárdio; Est A: estenose aórtica; Est pulm: estenose pulmonar; PCA: canal arterial persistente; v. bicúspide: válvula aórtica bicúspide

Os motivos de referência mais frequentes foram sopro e/ou cansaço. Todas as fístulas eram de origem congénita. Cinco doentes (42%) tinham patologia cardíaca concomitante: atrésia da pulmonar com septo interventricular intacto (1), canal arterial persistente (1), comunicação interauricular ostium secundum (1), estenose aórtica em válvula aórtica biscúspide (1), estenose pulmonar crítica operada no período neonatal (1). Foram realizadas angiografias selectivas para delinear a anatomia da(s) fístula(s). A embolização foi feita na porção mais distal da fístula, poupando todos os ramos colaterais. Num doente foi realizada uma ansa arteriovenosa através da fístula, com embolização da porção terminal da fístula a partir da aurícula direita. Os doentes foram heparinizados (100 U.I./kg na criança e 5000 U.I. no adulto) e foi feito o controlo posterior através do valor de ACT. Três dos doentes apresentavam duas fístulas e os restantes comunicações fistulosas isoladas. As fístulas eram todas hemodinamicamente significativas e tinham origem no território da coronária direita (n=10), da coronária esquerda (n=3) e da circunflexa (n=2) e drenavam para o ventrículo direito (n=5), artéria pulmonar (n=6), aurícula direita (n=2), seio coronário (n=1) e ventrículo esquerdo (n=1). O material de embolização incluiu 15 coils standard em 3 doentes, 1 coil Jackson® num doente (Figuras 1–3), 27 microcoils em 11 doentes (18 microcoils simples em 7 doentes e 9 microcoils GDC em 4 doentes) e um dispositivo Amplatzer®Duct Occluder num doente (Figuras 4–7). Merece um destaque especial os microcoils GDC, simples ou complexos, que são dispositivos de libertação controlada por electrólise, o que permite que o procedimento seja reversível até à fase final da libertação, após se confirmar a boa posição do dispositivo. Num doente foi testado um plug cardíaco Amplatzer® que não foi libertado por não ser adequado à lesão.

Figura 1.

Angiografia selectiva de fístula coronária para o VD.

(0.08MB).
Figura 2.

Encerramento de fístula coronária com um coil Jackson controlada e três espirais standard.

(0.09MB).
Figura 3.

A angiografia final mostra oclusão total da fístula. Note-se a melhor perfusão do miocárdio após embolização da fístula.

(0.09MB).
Figura 4.

Fístula coronária de grandes dimensões com origem na coronária direita e drenagem na aurícula direita.

(0.1MB).
Figura 5.

Formação de laçada arteriovenosa através da fístula coronária.

(0.11MB).
Figura 6.

Após realizada a laçada arteriovenosa através da fístula, o encerramento é feito por via venosa, implantando o dispositivo na aurícula direita.

(0.11MB).
Figura 7.

A injecção final após encerramento da fístula com dispositivo Amplatzer®Duct Occluder na aurícula direita mostra que não há fluxo residual.

(0.11MB).
Resultados

A embolização da fístula foi obtida em todos os doentes. Não houve mortalidade. Ocorreu enfarte do ventrículo direito num doente com fístula de grandes dimensões e coronária direita de diâmetro muito reduzido distalmente à emergência da fístula. Em três casos ocorreram complicações minor: embolização inadvertida de coil, recuperado no mesmo procedimento (1), arritmia transitória (1) e pseudo-aneurisma femoral (1).

Num seguimento médio de 4,9 anos (um mês a 14 anos) não se registaram intercorrências relacionadas com o procedimento. O controlo por ecocardiograma e/ou angiografia coronária mostrou que em dez doentes ocorreu oclusão eficaz e permanente das fístulas, enquanto que dois doentes mantiveram fluxo residual mínimo, por pequenos vasos acessórios, sem repercussão hemodinâmica.

Discussão

O encerramento percutâneo de fístulas coronárias é um dos procedimentos percutâneos de intervenção mais complexos, tendo como potenciais riscos a embolização de ramos normais das coronárias, a migração de dispositivos para as cavidades cardíacas ou grandes vasos e a lesão da própria fístula com ruptura. Uma avaliação cuidadosa das características morfológicas e do trajecto da fístula é necessário para decidir o local mais correcto para a embolização e o dispositivo mais adequado a utilizar. Actualmente, a tomogafia computorizada com angiografia dirigida às coronárias tem a capacidade de delinear com precisão o trajecto e as comunicações das fístulas coronárias, podendo ser um instrumento muito útil na avaliação diagnóstica e no planeamento da melhor estratégia para o encerramento da mesmas9,10.

A abordagem clássica da fístula coronária é o encerramento cirúrgico. Em 1997, Mavroudis et al apresentou uma análise sobre resultados cirúrgicos de encerramento de fístulas coronárias em 17 doentes com idades compreendidas entre as seis semanas e os 16,5 anos (idade média 5,5 anos) e tratados entre 1968 e 1996, concluindo que o encerramento cirúrgico de fístulas coronárias foi 100% eficaz e sem mortalidade naquela série, pelo que deve ser o tratamento de eleição nestas situações, devendo o encerramento percutâneo ficar reservado para apenas uma pequena população seleccionada11. Contudo, já em 1991, tinha sido descrito o encerramento percutâneo de sete fístulas coronárias em doentes com idades compreendidas entre os dois e os 67 anos (idade média de 17 anos), que decorreu com sucesso em seis das sete fístulas encerradas e sem complicações durante um tempo de seguimento de quatro meses a quatro anos12. Neste artigo, os autores chamam a atenção para a vantagem do encerramento percutâneo com a possibilidade de se evidenciarem fístulas adicionais após o encerramento da(s) fístula(s) de maiores dimensões apenas visível(is) no encerramento percutâneo. Apesar de tecnicamente mais difícil, fístulas de grandes dimensões a drenarem para a aurícula direita ou para o ventrículo direito podem ser encerradas por via venosa com dispositivos como Amplatzer®Duct Occluder ou plugs, com monitorização do posicionamento adequado do dispositivo através de injecções selectivas retrógradas na artéria coronária, como descrito em 2000 por Pedra et al5 e realizado no nosso caso 9 (Fig. 1 a 4).

Armsby et al. descrevem o encerramento percutâneo de 35 fístulas em doentes com idades compreendidas entre oito meses e 68 anos (média oito anos) e follow-up de 2,8 anos; o encerramento foi possível em apenas 33 casos (85%) e foi eficaz em 27 casos (82%), não tendo havido mortalidade. Este estudo mostra resultados semelhantes aos do encerramento cirúrgico de fístulas coronárias, em relação à eficácia, morbilidade e mortalidade7. Numa segunda série apresentada também em 2002, Alekyan et al. descreveram o encerramento percutâneo de 15 fístulas coronárias em doentes com idades compreendidas entre 11 meses e 44 anos (média de sete anos) e follow-up entre seis meses a 13 anos; o encerramento foi eficaz em 13 doentes e houve um óbito numa criança de quatro anos de idade por insuficiência renal após trombose da artéria femoral13. Em 2007, Collins et al. descreveram o encerramento percutâneo de 14 fístulas em doentes adultos, com um follow-up de 2,6 anos e que foi eficaz em 11 doentes, sem que se tenha verificado mortalidade14. Os autores concluem tratar-se de um procedimento seguro e eficaz no tratamento de fístulas sintomáticas em adultos14. Merece referência especial a complicação mais importante ocorrida na nossa série: enfarte do ventrículo direito. Neste doente, uma coronária direita proximal muito dilatada, com cerca de 1cm de diâmetro, continuava-se por uma fístula de grandes dimensões. Após a emergência da fístula, a coronária distal era extremamente reduzida. Depois da embolização, o fluxo na coronária direita proximal passou a ser extremamente lento. O fluxo lento numa artéria de dimensões muito aumentadas pode ser um factor de risco, com progressão proximal de trombos a partir da fístula embolizada, pelo que estes doentes devem ser anticoagulados de forma eficaz.

Mais recentemente, dois casos de fístulas coronárias encerradas por via anterógrada com dispositivos Amplatzer®Vascular Plug em crianças com um ano e quatro anos de vida, com follow-ups respectivamente de 12 e 18 meses, foram descritos com sucesso e sem mortalidade15. Finalmente, em 2010, Bruckheimer et al. descreveram uma série de 10 doentes com idades compreendidas entre 0,5 a 52,2 anos (média 2,6 anos) e follow-up médio de 1,7 anos; todas as fístulas eram de grande dimensões e foram encerradas com dispositivos Amplatzer®Duct Occluder e Vascular Plug, com sucesso em nove dos 10 doentes, sem mortalidade e sem complicações significativas16 Contudo, apesar destes estudos, não existe ainda um estudo multicêntrico sobre esta modalidade terapêutica.

Em conclusão, apesar da complexidade desta modalidade terapêutica e da raridade da patologia, as embolizações terapêuticas representam uma forma eficaz de abordagem de fístulas coronárias seleccionadas em centros especializados.

Em Portugal, a nossa é a primeira série descrita sobre encerramento percutâneo de fístulas coronárias hemodinamicamente significativas, incluindo fístulas de grandes dimensões, uma delas encerradas com dispositivo Amplatzer®Duct Occluder, e sete fístulas coronárias encerradas em idade pediátrica (com idades compreendidas entre um ano e 14 anos). Não houve mortalidade e não ocorreram complicações significativas, excepto enfarte num doente com uma fístula de grandes dimensões e artéria coronária muito pequena distalmente à fístula. Globalmente, o encerramento percutâneo de fístulas coronárias mostrou ser um procedimento seguro e eficaz em doentes seleccionados, mesmo em idade pediátrica.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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