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Vol. 31. Núm. 2.
Páginas 143-149 (Fevereiro 2012)
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Vol. 31. Núm. 2.
Páginas 143-149 (Fevereiro 2012)
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Implantação percutânea de próteses valvulares aórticas: resultados de uma nova opção terapêutica na estenose aórtica com alto risco cirúrgico
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Pablo SalinasaRaul Morenoa,
Autor para correspondência
raulmorenog@terra.es

Autor para correspondência.
Luis CalvoaDavid DobarroaSantiago Jiménez-ValeroaAngel Sánchez-RecaldeaGuillermo GaçeoteaLuis RierabJuan-Ignacio González MontalvocIgnacio PlazadFrancisco MariscalcRosa Gonzalez-DaviaeTeresa LópezaMar MorenoaArturo AlvarezfEmilio CuestafGonzalo GarzonfDavid FilgueirasaIsidro Moreno-GomezaJose-María MesagJose-Luis López-Sendona
a Serviço de Cardiologia, Hospital La Paz, Madrid, Espanha
b Serviço de Cirurgia Vascular, Hospital La Paz, Madrid, Espanha
c Serviço de Geriatria, Hospital La Paz, Madrid, Espanha
d Serviço de Cardiologia, Hospital Infanta Sofia, San Sebastián de los Reyes, Madrid, Espanha
e Serviço de Cardiologia, Hospital Infanta Cristina, Parla, Madrid, Espanha
f Serviço de Radiologia, Hospital La Paz, Madrid, Espanha
g Serviço de Cirurgia Cardíaca, Hospital La Paz, Madrid, Espanha
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Tabela 1. Características clínicas da população.
Tabela 2. Dados do procedimento.
Tabela 3. Complicações durante a admissão, desde a alta a 30 dias e nos meses 2-12 desde a implantação (n=23).
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Resumo
Introdução

A implantação da válvula aórtica transcateter (TAVI) é uma alternativa à substituição valvular aórtica cirúrgica convencional para doentes com estenose aórtica (EA) grave e risco cirúrgico inaceitável.

Métodos

Apresentamos a experiência com TAVI no nosso centro durante os primeiros anos, desde o seu início. De 76 doentes com EA avaliados para eventual TAVI, realizou-se o procedimento em 23 dos mesmos, que apresentavam um Euroscore médio de 22,4% e uma idade média de 81,5 anos. Estes 23 doentes foram seguidos de modo prospetivo durante 12,9±11 meses.

Resultados

A prótese foi implantada com êxito em todos os doentes. A mortalidade aos 30 dias foi de 4%. As complicações mais frequentes foram as vasculares e a necessidade de transfusão (22%) seguida de colocação de pace-maker definitivo (9%). Após um follow-up médio de 30 meses não se registou nenhum caso de disfunção protésica nem de morte cardiovascular.

Conclusões

Dois anos após o início de um programa de TAVI no nosso centro, a TAVI evidencia-se como uma alternativa eficaz para doentes com EA grave inoperáveis por risco cirúrgico elevado.

Palavras-chave:
Estenose aórtica grave
Prótese valvular cardíaca
Prótese aórtica transcateter
Intervenção cardíaca não coronária
Substituição valvular aórtica
Abstract
Introduction

Transcatheter aortic valve implantation (TAVI) is an alternative to surgical aortic valve replacement in patients with severe aortic stenosis (AS) and unacceptably high surgical risk.

Methods

We present our first two years’ experience with TAVI. A total of 76 AS patients were evaluated for TAVI and 23 of them underwent a TAVI procedure. These patients had a mean EuroSCORE of 22.4% and a mean age of 81.5 years, and were prospectively followed for a mean of 12.9±11 months.

Results

The percutaneous aortic valve was successfully implanted in 100% of the patients. Mortality at 30 days was 4%. The most common complications were access site-related bleeding and transfusion (22%), followed by new permanent pacemaker implantation (9%). After a mean follow-up of 12.9 months, survival was 87%. In a maximum follow-up of 30 months there were no cases of prosthesis dysfunction or cardiovascular death.

Conclusions

Two years after the introduction of a TAVI program in our center, the procedure has established itself as a safe and effective alternative for patients with severe AS and unacceptably high surgical risk.

Keywords:
Aortic valve stenosis
Heart valve prosthesis
Transcatheter aortic valve implantation
Non-coronary intervention
Aortic valve replacement
Texto Completo
Introdução

A estenose aórtica (EA) é uma doença de evolução lenta e assintomática na maioria dos casos. Contudo, evolui rapidamente e de uma forma progressiva nos estados avançados, associando-se a uma mortalidade de cerca de 50%, dois anos após o início dos sintomas e cerca de 50% após um ano quando existem sintomas de insuficiência cardíaca1. A EA é atualmente a valvulopatia isolada mais comum no nosso meio, constituindo aproximadamente cerca de 40% de todas as valvulopatias diagnosticadas, sendo a indicação mais frequente para cirurgia valvular. Acima dos 75 anos, podemos encontrar uma prevalência de EA grave de até 4,6% na população em geral, e espera-se que aumente nas próximas décadas em virtude do envelhecimento da população2.

O tratamento normalizado de EA grave sintomática é a substituição valvular cirúrgica (SVC), tratamento que demonstrou melhorar a sobrevivência destes doentes3,4. Contudo, na prática clínica habitual, cerca de um terço dos doentes com EA e com indicação teórica de SVC são excluídos para cirurgia por elevado risco cirúrgico. Tal facto deve-se em primeiro lugar à sua idade avançada e à sua frequente associação com outras comorbilidades5,6. Como alternativa terapêutica para estes doentes com EA grave sintomática excluídos para cirurgia, desenvolveu-se recentemente uma técnica que consiste na implantação percutânea de uma prótese valvular aplicada sobre um stent metálico, ou a implantação da válvula aórtica transcateter (TAVI). Este procedimento evita a morbilidade de esternotomia e a circulação extracorpórea e pode ser realizado por ventriculotomia apical, ou por via transarterial (fundamentalmente transfemoral)7. Neste trabalho apresentamos a experiência de uma TAVI efetuada no nosso centro durante os dois primeiros anos de atuação.

Métodos

Em 2008 começámos um programa de TAVI por via femoral no nosso centro com um total de 23 implantações de próteses Edwards SAPIEN (Edwards Lifesciencies, EUU)8. Este grupo de doentes foi alvo de um estudo prospetivo mediante visitas clínicas e eletrocardiogramas intervalados. O objetivo deste trabalho é descrever a seleção de doentes, os resultados imediatos e a evolução clínica do nosso grupo de doentes.

Trata-se de um estudo observacional, de grupos e prospetivo. Os dados clínicos foram recolhidos durante as visitas que precederam o procedimento ou durante a admissão hospitalar. Foram efetuados eletrocardiogramas de follow-up, um mês, 6 meses e um ano após a alta dos doentes.

Seleção de doentes

Avaliaram-se para TAVI através da via femoral todos os doentes com EA grave degenerativa sintomática rejeitada para SVC durante um período de 2 anos. O protocolo de avaliação de doentes no nosso centro foi previamente descrito9. Definiu-se EA grave como uma área valvular aórtica calculada por planimetria ou equação da continuidade<1cm2 ou área indexada<0,6cm2/m2 no ecocardiograma, como se recomenda nas normas clínicas de atuação4. Os doentes são avaliados por uma equipa de cardiologistas clínicos, cardiologistas de intervenção, cirurgiões cardíacos e anestesistas que avaliam em conjunto a existência de risco para SVC, ajudados pelas escalas de risco utilizadas habitualmente: EuroSCORE e Society of Thoracic Surgeons (STS)10,11. Uma vez excluídos para SVC (EuroScore logístico>20% e/ou STS>10%), os doentes são avaliados para TAVI transfemoral. Para esse efeito, todos os doentes foram submetidos a um cateterismo coronário e angiografia femoral, um ecocardiograma transesofágico para medir o diâmetro do anel valvular e um angio-TAC de alta resolução desde o eixo ilíaco-femoral.

Foram excluídos os doentes com EA na válvula bicúspide, diâmetro do anel valvular<18mm ou>25mm, fração de ejeção ventricular esquerda (FEVI)<20%, enfarte do miocárdio nos trinta dias anteriores e com antecedentes de ictus ou acidente isquémico transitório nos seis meses prévios. Os doentes com doença coronária significativa são indicados para intervenção percutânea e o intervalo da respetiva TAVI seria de trinta dias após a intervenção coronária. Foram excluídos os doentes com tortuosidade excessiva e calcificação ou diâmetros mínimos no eixo ilíaco-femoral inferiores a 7mm com o cateter RetroFLEX® (primeira geração); e posteriormente os inferiores a 6mm com o cateter NovaFLEX® (segunda geração, a partir de maio de 2010). Ainda que a existência de hipertrofia septal muito grave fosse considerada um critério de exclusão pela possibilidade de embolização da prótese durante a sua implantação, estes doentes foram tratados mediante uma ligeira modificação no processo de montagem da válvula no nosso centro12.

No período do estudo (abril de 2008 – outubro de 2010, 30 meses) foi avaliado um total de 76 doentes, dos quais 44 (57,9%) não foram considerados para TAVI, 25 (32,9%) aceites, 5, (6,6%), faleceram no período de avaliação e 2 (2,6%) encontram-se atualmente em lista de espera para a primeira implantação transapical no nosso centro. Dos 44 doentes excluídos, 17 (38,6%) foram assim considerados por motivos de má acessibilidade ilíaco-femoral, 8 (18,2%) por patologias associadas que limitavam significativamente a esperança ou qualidade de vida do doente, 7 (15,9%) por EA grave, ou ausência de sintomas, 5 (11,4%) por recusa do doente e/ou da família, 4 (91,1%) por disfunção ventricular muito grave (FEVI<20%) e 4 (9,1%) foram reconduzidos a SVC após reavaliação e considerar que o risco cirúrgico era aceitável. Dos 25 doentes indicados para TAVI, 2 (8%) não foram submetidos a implantação por complicações no acesso vascular. Os restantes 23 (92%) doentes constituem a população deste estudo.

Procedimento

O procedimento realizou-se sob anestesia geral na sala de hemodinâmica, previamente esterilizada, tendo sido o doente entubado na mesma sala na maioria dos casos. A prótese Edwards SAPIEN consiste numa válvula com três folhetos de pericárdio bovino colocada num stent metálico, expansível por balão (Figura 1). Atualmente, são comercializadas próteses de dois tamanhos: 23 (para anel valvular de 18 a 21,5mm) e 26mm (para anel valvular de 21,5 a 25mm). É implantado um eletrocateter de pace-maker provisório (via venosa femoral) no ventrículo direito e, sob estimulação ventricular rápida (∼200 lpm.), realiza-se uma valvuloplastia aórtica com balão segundo o procedimento normalizado. A implantação realiza-se por via retrógrada conforme foi previamente descrito13. Introduz-se, por dilatação sucessiva no ponto de punção, um introdutor desde a artéria femoral até chegar à aorta infrarrenal e a prótese é montada dentro do mesmo sobre um balão. O sistema avança no interior da válvula nativa e de novo sob estimulação ventricular rápida, o balão é insuflado, expandindo o stent que fica implantado ao nível do anel da válvula aórtica nativa comprimindo os véus da mesma (Figura 2). O procedimento realiza-se sob monitorização de angiografia e ecocardiografia transesofágica tridimensional. A terapia antiagregante prescrita na maior parte dos doentes foi aspirina 100mg/d e clopidogrel 75mg/d durante 3 meses.

Figura 1.

Prótese de Edwards-Sapien. A e B mostram a prótese solta, tal como ficaria após a sua expansão sobre a válvula nativa. C mostra a prótese colocada sobre o cateter e balão, antes da sua introdução por via femoral.

(0,17MB).
Figura 2.

Implantação da prótese percutânea. A: visualiza-se uma aortografia com o stent com a prótese preso ao balão no trato de saída do ventrículo esquerdo. B: Balão completamente insuflado com prótese expandida na sua posição definitiva. Pace-maker e sonda de ecocardiografia transesofágica.

(0,12MB).
Análise estatística

As variáveis recolhidas para este trabalho são as recomendadas pelos documentos de consenso e avaliadas noutros registos de TAVI14,15. Os dados foram recolhidos numa base de dados concebida ad hoc e foram analisados com o programa estatístico SPSS 15.0 (Chicago, Illinois, USA). As variáveis categóricas são apresentadas como percentagens e as contínuas como média ± desvio normalizado. A mortalidade no follow-up é apresentada com curvas de sobrevivência atuarial de Kaplan-Meier.

ResultadosPopulação do estudo

Foi realizada TAVI a um total de 23 doentes. As características clínicas basais dos doentes são apresentadas na Tabela 1. A média da idade foi de 81,5±6 anos, entre os 68 e os 90 anos. A patologia concomitante mais frequente foi a cardiopatia isquémica, que se encontrava presente em 13 doentes (56,5%), 10 dos quais tinham sido revascularizados antes da implantação da prótese aórtica (4 com cirurgia de derivação coronária e 6 por via percutânea). Dez doentes (43,5%) apresentavam insuficiência renal crónica, 2 dos quais (8,7%) se encontravam num programa de hemodiálise.

Tabela 1.

Características clínicas da população.

  n=23 
Idade (média)  81,5± 
Homens  14  (60,1%) 
Doenças concomitantes
Patologia pulmonar crónica  (30,4%) 
Insuficiência renal crónica  10  (43,5%) 
Arteriopatia periférica  (9,6%) 
Doença vascular cerebral  (9,6%) 
Cardiopatia isquémica  13  (56,5%) 
Intervenção coronária percutânea prévia  (26,1%) 
Valvuloplastia mitral percutânea prévia  (4,4%) 
Cirurgia coronária prévia  (17,4%) 
Classe NYHA III-IV  13  (56,5%) 
Fibrilhação auricular  11  (47,8%) 
Dados ecocardiográficos
Área valvular aórtica média  0,69±0,2   
Gradiente aórtico médio  42±11   
FEVI <50%  (17,4%) 
Insuficiência aórtica grau ≥ 2  (21,7%) 
Insuficiência mitral grau ≥ 2  (30,4%) 
Pressão sistólica pulmonar media  52,2± 
EuroSCORE (média)  22,4±13   

FEVI:fração de ejeção do ventrículo esquerdo; NYHA: New York Heart Association.

Em todos os doentes, à excepção de um (valvulopatia reumática), a etiologia da EA era degenerativa. No que se refere a valvulopatias coexistentes, havia 3 (13%) doentes com estenose mitral moderada, 7 (30%) com insuficiência mitral moderada e 7 (30%) doentes com insuficiência tricúspide moderada ou grave. A insuficiência mitral grave foi considerada como critério de exclusão, mas uma doente com estenose mitral grave associada foi submetida inicialmente a valvuloplastia mitral percutânea e posteriormente a TAVI.

Resultados do procedimento

Na Tabela 2 são descritos os resultados do procedimento. Em todos os casos, a válvula foi implantada corretamente. Como se observa na tabela, a hemodinâmica da válvula recentemente implantada foi excelente, obtendo uma área valvular superior a 2cm2 em todos os casos. Cerca de metade dos doentes (n=12; 52,2%) foram intervencionados com o primeiro sistema (RetroFlex®, diâmetros de 22 e 24 French) e a segunda metade (n=11; 47,8%) foram intervencionados com a segunda geração (NovaFlex®, diâmetros de 18 e 19F). O novo sistema NovaFlex® foi introduzido em maio de 2010 e permitiu reduzir significativamente os doentes excluídos por diâmetros ilíaco-femorais insuficientes, para além de reduzir o número de complicações vasculares: 4 de 12 (33%) doentes com RetroFlex®versus nenhum dos 11 doentes com NovaFlex® (Chi quadrado, p=0,015).

Tabela 2.

Dados do procedimento.

  n=23 
Válvula implantada, mm
23  16  69,6% 
26  30,4% 
Éxito da implantação  23  100% 
Cirurgia cardíaca urgente  0% 
Ecocardiograma após o procedimento
AVA media (cm22,7±0,6  2,2 
Gradiente aórtico médio (mmHg)  5,3±9,2 
Insuficiência protésica moderada  4,4% 
Insuficiência protésica grave  0,0% 
Estadia media (dias)  11,9±11,9 

AVA: área valvular aórtica; IA: insuficiência aórtica.

Resultados durante a admissão e aos 30 dias

As complicações durante e após o procedimento são apresentadas na Tabela 3. Não houve óbitos na sala de hemodinâmica (mortalidade intraprocedimento 0%). Um doente faleceu ao terceiro dia após a implantação por tamponamento cardíaco, revelando a autópsia uma perfuração no ventrículo direito efetuada pelo eletrocateter de pace-maker. Portanto, a mortalidade aos 30 dias foi de 4,4%.

Tabela 3.

Complicações durante a admissão, desde a alta a 30 dias e nos meses 2-12 desde a implantação (n=23).

  Hospitalar  30 diasa  1 ano  Total 
Qualquer complicação  8 (34,8%)  1 (4,4%)  5 (22,7%)  14 (61%) 
Morte  1 (4,4%)  2 (8,7%)  3 (13%) 
Falha da implantação 
Ictus  1 (4,4%)  1 (4,4%) 
IR que requer HD 
Embolização prótesica 
IAM / Obstruçao coronária 
Pace-maker permanente  2 (8,7%)  2 (8,7%) 
Complicações vasculares
Maiores  1 (4,4%)  1 (4,4%) 
Menores  5 (22,7%)  1 (4,4%)  5 (22,7%) 
Transfusão  5 (22,7%)  5 (22,7%) 
Readmissão hospitalar  NA  2 (8,7%)  2 (8,7%) 

HD: hemodiálise; IAM: enfarte agudo de miocárdio; IR, insuficiência renal; NA, não aplicável.

a

As complicações a 30 dias incluem exclusivamente as produzidas desde a alta hospitalar até ao trigésimo dia após a implantação.

Houve complicações de maior gravidade: laceração da artéria femoral com necessidade de reparação cirúrgica direta num caso, necessidade de transfusão em cinco doentes (22%), e necessidade de implantação de pace-maker permanente em dois casos (9%). Esta última complicação surge por traumatismo no nódulo auriculoventricular e feixe de His causado pela expansão da prótese16. Não houve nenhum caso de disfunção protésica significativa.

Follow-up a longo prazo

Todos os doentes foram submetidos a follow-up clínico. A duração média do follow-up foi de 12,9±11 meses. O primeiro doente que recebeu uma prótese aórtica no nosso centro é seguido há 30 meses e encontra-se vivo, estando a sua prótese a funcionar devidamente. Desde o dia 30 até ao final do follow-up faleceram mais 2 doentes (8,7%), ambos entre os meses 1 e 2 após a intervenção e nenhum por causas cardíacas (um por pneumonia e o outro por deterioração geral e falha multiorgânica). A mortalidade acumulada no final do follow-up foi de 13%. Conforme mostra a curva de Kaplan-Meier (Figura 3), a mortalidade concentra-se nos dois primeiros meses após a intervenção, encontrando uma curva de sobrevivência plana a partir do terceiro mês. No que se refere a eventos adversos cardiovasculares de maior importância (readmissão por disfunção protésica, insuficiência cardíaca, ictus ou enfarte do miocárdio), 2 doentes foram readmitidos: um aos 2 meses por insuficiência cardíaca (prótese normofuncionante) e outro aos 3 meses por ictus. A sobrevivência livre de eventos de maior gravidade (morte, readmissão cardiovascular) foi de 91,3% e de 78,3% após um mês e após um ano de follow-up respetivamente. Não se registou nenhum caso de disfunção protésica durante o follow-up.

Figura 3.

Curva de sobrevivência de Kaplan-Meier. A sobrevivência a 30 dias é de cerca de 95,8%, enquanto que a um ano é de cerca de 87%. Todas as mortes ocorreram nos três primeiros meses após a implantação.

(0,05MB).
DiscussãoIncidência da EA no nosso meio

A EA degenerativa é a patologia mais frequente no nosso meio, e o seu impacto aumentará nos próximos anos por envelhecimento da população17. Esta patologia não só tem implicações complementares nas especialidades estritamente dedicadas às patologias cardiovasculares, mas também é diagnosticada com mais frequência, atendida e tratada por outras especialidades médicas, como Medicina Interna, Geriatria e Cuidados Intensivos.

Implantação percutânea de próteses valvulares aórticas

A SVC é uma técnica eficaz e segura que modifica a história natural da doença, mas que, em determinadas circunstâncias, e especialmente na idade avançada, pode levar a um risco cirúrgico proibitivo3,4. Muito recentemente num número cada vez maior de centros hospitalares instaurou-se a TAVI como uma alternativa terapêutica para estes doentes. Neste trabalho, apresentamos os resultados obtidos no nosso centro mediante esta técnica nos dois primeiros anos de aplicação.

Na nossa série, a mortalidade a 30 dias foi de 4,4%. Se tivermos em atenção que a mortalidade cirúrgica determinada pelo índice EuroSCORE era de cerca de 22%, podemos considerar que os resultados clínicos desta técnica na população tratada foram excelentes. Estes resultados são comparáveis com os de outras séries previamente publicadas. Por exemplo, no registo europeu SAPIEN Aortic Bioprothesis European Outcome (SOURCE), com 463 doentes tratados por via transfemoral, obteve-se um êxito inicial de implantação de cerca de 95,2% e uma mortalidade aos 30 dias de 6,3%15. No estudo PARTNER Placement of aortic transcatheter valve trial (PARTNER), 358 doentes com EA grave sintomática não indicados para cirurgia foram selecionados aleatoriamente para TAVI ou para tratamento convencional (médico e/ou valvuloplastia aórtica). A mortalidade a um ano foi de 30,7% no grupo de TAVI e de 50,7% no grupo convencional (p<0,001), associando-se portanto este procedimento a uma redução na mortalidade a um ano em termos absolutos de cerca de 20% e em termos relativos de cerca de 40%13.

A taxa de bloqueio auriculoventricular completo que necessitava de implantação de pace-maker definitivo na nossa experiência (9%) foi comparável à de outras séries e claramente inferior à de estudos que utilizaram a outra prótese valvular aórtica implantável através de um cateter que se encontra atualmente disponível no mercado (CoreValve, Medtronic, EE.UU.)18.

O follow-up a longo prazo realizado na nossa população de estudo mostrou resultados excelentes, com uma taxa de sobrevivência de 87% a um ano, sem ter ocorrido nenhuma morte por causa cardíaca nem ocorrência de problemas associados a prótese valvular (disfunção protésica, endocardite, etc.). O registo SOURCE obteve uma taxa de sobrevivência de 81,1% a um ano19.

Considerações práticas para instaurar um programa de TAVI

A TAVI, apesar de ser praticada sob o ponto de vista técnico por cardiologistas de intervenção, envolve uma grande variedade de profissionais que intervêm em todo o processo desde o diagnóstico da patologia, alta e follow-up posterior. A EA degenerativa é uma patologia frequentemente diagnosticada e tratada em Serviços não só de Cardiologia, mas também de Cuidados Primários, Medicina Interna, Geriatria, Cuidados Intensivos e outros, nos quais os profissionais fazem o diagnóstico e orientam a atitude terapêutica. Estes profissionais, numa atitude de consenso com cardiologistas, cirurgiões cardíacos e anestesistas, decidem juntamente com o doente e respetiva família optar ou não por cirurgia de substituição valvular aórtica, em função da situação clínica e risco cirúrgico do doente. Nos doentes em que se exclui a cirurgia por razões de alto risco, a TAVI constitui – como se mostrou neste trabalho – uma nova opção terapêutica que permite tratar eficazmente doentes que até agora não tinham nenhuma possibilidade de tratamento. O aspeto puramente técnico também requer necessariamente não só cardiologistas de intervenção, mas também muitos profissionais especificamente treinados para esta técnica, como cardiologistas especializados em ecocardiografia transesofágica, cirurgiões vasculares, radiologistas de intervenção e anestesistas cardiovasculares. Todo este leque de especialidades reflete o caráter imprescindível multidisciplinar da medicina do nosso tempo.

Um aspeto a considerar é a importância de uma gestão clínica rápida do processo de seleção, já que a mortalidade destes doentes a curto prazo é significativa1. Na nossa série, 5 doentes (6,6% do total dos candidatos) faleceram durante a avaliação ou enquanto se encontravam em lista de espera (num período inferior a 3 meses desde o primeiro contacto clínico com o nosso grupo). Estes dados ilustram o caráter verdadeiramente terminal de muitos destes doentes20.

No futuro espera-se que o desenvolvimento e aperfeiçoamento tecnológico das próteses valvulares e o incremento da experiência reduzam e tornem mais previsíveis a mortalidade e as complicações derivadas deste procedimento21. Encontram-se nas variadas fases de desenvolvimento novas válvulas com modificações na concepção e/ou sistema de libertação que contribuirão para o crescimento da técnica. Deste modo, espera-se com grande interesse os resultados do grupo A do estudo PARTNER, no qual se escolhe de forma aleatória doentes indicados para cirurgia, mas com risco relativamente elevado de SVC convencional ou TAVI, enfrentando pela primeira vez esta técnica face à terapia standard. Provavelmente, os resultados deste estudo permitirão expandir a indicação de TAVI em doentes designados para cirurgia convencional, mas com risco relativamente elevado. Espera-se que nos próximos anos se desenvolva um score de risco de TAVI que permita predeterminar a mortalidade e complicações da técnica, para deste modo melhorar a informação aos doentes e familiares e facilitar a comparação com a SVC convencional. Serão igualmente considerados os estudos necessários de custo-eficácia por comparação com a terapia standard e cirurgia, dado que presentemente se trata de um procedimento oneroso.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

Aos serviços de Anestesia Cardiovascular, de Radiologia Vascular, de Cirurgia Vascular, de Cirurgia Cardíaca, Unidade de Cuidados Intensivos Cardíacos, ao Dr. David Figueiras pela sua contribuição na selecção de doentes. O Dr. Pablo Salinas recebeu uma bolsa Cordis da Sociedade Espanhola de Cardiologia para formação em hemodinâmica e cardiologia de intervenção.

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