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Vol. 36. Núm. 10.
Páginas 699-705 (Outubro 2017)
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Vol. 36. Núm. 10.
Páginas 699-705 (Outubro 2017)
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Fatores de risco cardiovascular em crianças
Cardiovascular risk factors in children
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Marisete Inês Fraporti, Fernanda Scherer Adami
Autor para correspondência
, Michele Dutra Rosolen
Centro Universitário Univates, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Curso de Nutrição, Lajeado, Brasil
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Tabela 1. Comparação das médias PAS e PAD entre as variáveis: zona, gênero e classificação CC
Tabela 2. Comparação da classificação do estado nutricional e da circunferência da cintura com classificação PAD e PAS
Tabela 3. Comparação das médias PAS e PAD com a variável idade e classificação do IMC
Tabela 4. Relação entre a idade em anos, IMC e CC com a PAS e a PAD
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Resumo
Introdução

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) destaca‐se como um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares (DCV). O diagnóstico e tratamento precoce da hipertensão na infância tem potencial de causar grande impacto contra desfechos adversos futuros.

Objetivo

Verificar a relação da pressão arterial diastólica (PAD) e sistólica (PAS) com avaliação antropométrica e a zona residencial de crianças de municípios do Rio Grande do Sul, Brasil.

Métodos

Trata‐se de um estudo de modelo transversal, realizado com 709 crianças de seis anos completos a nove anos incompletos. Foram aferidas a pressão arterial, peso corporal, altura e circunferência da cintura (CC). Utilizaram‐se testes estatísticos, com nível de significância máximo de 5% (p0,05) e o software utilizado para esta análise foi o SPSS versão 13,0.

Resultados

A obesidade foi significativamente associada à pré‐hipertensão, HAS grau um e dois. A CC elevada foi significativamente associada à classificação da PAD de pré‐hipertensão e HAS grau 1 e de PAS HAS grau um e dois (≤ 0,01).

Conclusão

As crianças residentes na zona urbana apresentaram médias de PAS significativamente superiores às que residiam na zona rural. Aquelas com CC elevada apresentaram médias de PAS e PAD superiores em relação às crianças com CC normal. As crianças obesas demonstraram as maiores médias de PAS e PAD, em relação às com sobrepeso e às eutróficas e, à medida que aumentaram as médias de idade, índice de massa corporal e CC, as médias da PAS e PAD aumentaram também.

Palavras‐chave:
Criança
Estado nutricional
Doença cardiovascular
Abstract
Introduction

Systemic hypertension is one of the main risk factors for cardiovascular disease (CVD). Early diagnosis and treatment of hypertension in childhood can potentially have a significant impact on future adverse outcomes.

Objective

To investigate the relationship of diastolic (DBP) and systolic blood pressure (SBP) with anthropometric data and area of residence of children in municipalities of Rio Grande do Sul state, Brazil.

Methods

This is a cross‐sectional study of 709 children between six and nine years of age. Blood pressure, weight, height and waist circumference (WC) were measured. Statistical tests had a maximum significance level of 5% (p≤0.05) and the software used was SPSS version 13.0.

Results

Obesity was significantly associated with pre‐hypertension, and stage 1 and 2 hypertension as assessed by DBP and SBP (≤0.05); high WC was significantly associated with a classification of pre‐hypertension and stage 1 hypertension based on DBP and a classification of stage 1 and 2 hypertension based on SBP (≤0.01).

Conclusion

Children living in urban areas had significantly higher mean SBP than those living in rural areas. Those with high WC presented higher SBP and DBP compared to children with normal WC. Obese children showed higher mean SBP and DBP compared to those who were overweight or normal weight and mean SBP and DBP also increased with older age and higher mean body mass index and WC.

Keywords:
Child
Nutritional status
Cardiovascular disease
Texto Completo
Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) são a primeira causa de incapacidade e morte prematura no mundo. A hipertensão arterial sistêmica (HAS), por sua vez, é um dos fatores de risco mais importantes para desenvolvimento dessas doenças1. A obesidade é vista como uma epidemia mundial, acompanhada do aumento de fatores de risco cardiovasculares, como a HAS. Níveis pressóricos elevados em crianças preveem HAS do adulto e contribuem para a ocorrência de eventos cardiovasculares. Assim, a identificação e o tratamento precoce da hipertensão na infância tem potencial de causar grande impacto contra desfechos adversos futuros2.

Nas últimas décadas, a prevalência de pressão arterial (PA) elevada tem aumentado entre as crianças e a falta de diagnóstico pode levar ao não tratamento da enfermidade e sua persistência até a maioridade3. A presença de PA elevada em crianças pode antecipar o aparecimento de lesões em órgãos‐alvo, como hipertrofia do ventrículo esquerdo, aumento da espessura das artérias carótidas, alterações vasculares na retina e até mesmo sutis alterações cognitivas1.

Atualmente se considera obrigatória a medida da PA a partir dos três anos de idade, anualmente, ou antes disso, quando houver fatores de risco. No entanto, a metodologia complexa exigida para a verificação da PA em crianças faz com que muitos profissionais a excluam de sua rotina ou interpretem os valores aferidos de forma incorreta, o que pode resultar em subdiagnóstico e consequências incorrigíveis para esses indivíduos2.

O excesso de peso, avaliado pelo índice de massa corpórea (IMC), é um importante preditor da PA elevada em crianças. Assim, a classificação adequada do estado nutricional em crianças é um instrumento de alerta para o risco de hipertensão. A obesidade tem sido identificada como um importante fator de risco para o desenvolvimento de DCV, no entanto, outros fatores, aliados à obesidade ou não, também exercem influência sobre este risco4.

A circunferência da cintura (CC) é a medida que reflete obesidade abdominal e pode ser utilizada de forma isolada para a determinação de risco de alterações metabólicas e DCV, em crianças e adolescentes5. Na faixa etária infantil, estudos mostram que a CC está relacionada ao excesso de gordura abdominal e a fatores de risco para DCV, como colesterol total, Low Density Lipoprotein (LDL), colesterol aumentado e High‐density lipoprotein (HDL) colesterol baixo6.

O objetivo deste estudo foi verificar a relação da PA (diastólica e sistólica), avaliação antropométrica, CC, gênero, idade e zona residencial de crianças de seis anos completos a nove anos incompletos, de municípios do Vale do Taquari, Rio Grande do Sul, Brasil.

Metodologia

Trata‐se de um estudo de base populacional de modelo transversal, com escolares da rede municipal de municípios do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul. Os dados foram extraídos de um banco de dados secundário, cuja coleta foi realizada nos anos de 2012 e 2013. A coleta de dados foi realizada com crianças e adolescentes, porém, para o presente estudo, foram extraídos somente os dados referentes às crianças de seis anos completos a nove anos incompletos, matriculadas nas escolas municipais, perfazendo uma amostra de 709 crianças de ambos os gêneros. Destes alunos, foram incluídos no estudo aqueles que tivessem o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) devidamente assinado pelos responsáveis. Foram excluídos da pesquisa os alunos que não estavam presentes na escola no dia da coleta de dados e que se recusaram ou desistiram de participar de alguma etapa da pesquisa.

A estatura foi aferida em centímetros (cm), com precisão de 1mm, com estadiômetro portátil da marca AVANUTRI. O IMC foi classificado de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)7, em quatro grupos: magreza, eutrofia, sobrepeso e obesidade. A classificação foi realizada através de percentil e os pontos de corte também analisados conforme as tabelas da OMS para a faixa etária. A CC foi medida no ponto médio do tronco, entre a última costela e a crista ilíaca, com fita métrica flexível e inextensível, com precisão de uma casa decimal. Para CC foram considerados os percentis 50, classificados de acordo com a recomendação de Mc Carthy et al. para faixa etária como CC normal ou elevada8.

A PA foi realizada pelo método oscilométrico, com aparelho automático marca OMROM (OMROM Eletrônica do Brasil, São Paulo, Brasil), modelo Hem‐742INT. Foram utilizados manguitos OMROM de tamanho apropriado à circunferência dos braços das crianças. A medida foi realizada uma única vez, no ambiente escolar, seguindo as orientações das V Diretrizes de Hipertensão Arterial9, para a classificação da PA sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD). Consideraram‐se as curvas para determinação do percentil da estatura dos escolares de acordo com a idade e gênero, segundo a OMS7, e a tabela de percentil da PA, referenciada pelas V Diretrizes de Hipertensão Arterial9, para crianças com PAS e/ou PAD igual ou acima do percentil 95 para gênero, idade e estatura foram classificados na condição de PA elevada. Pré‐hipertenso são considerados os percentis 90‐95 ou PA > 120/80 mmHg, hipertensão estágio um (HAS 1) os percentis 95‐99 + 5 mmHg, e para a hipertensão estágio dois (HAS 2), > percentil 99 + 5 mmHg.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário UNIVATES em 10 de abril de 2014, sob o número de registro 612.030.

Os dados foram analisados através de tabelas, estatísticas descritivas, e para os testes estatísticos utilizou‐se o exato de Fisher, qui‐quadrado, teste não‐paramétrico Mann‐Whitney, teste não‐paramétrico Kruskal‐Wallis e análise de correlação de Pearson. Os resultados foram considerados significativos a um nível de significância máximo de 5% (p0,05) e o software utilizado para esta análise foi o Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 13,0.

Resultados

Foram avaliados no presente trabalho 709 escolares, classificados segundo o estado nutricional, PAD e PAS e CC, dos quais 55% eram do gênero masculino e 54,4% residiam na zona rural. O resultado da análise descritiva em relação às médias demonstrou que a média de IMC foi de 30,92±3,2Kg/m2, da PAD 150±11,96mmHg, da PAS 170±14,57mmHg e da CC 103±8,97cm.

Com relação ao estado nutricional, 22,1% apresentavam sobrepeso e 19,7% obesidade ou obesidade grave, mas a maioria dos indivíduos eram eutróficos (58,1%). A PAD e PAS foi classificada separadamente, 9,2 e 24,4%, respectivamente, classificaram‐se com hipertensão (HAS 1 ou 2) e 26,5% foram classificadas como HAS 1 ou 2 para PAS/PAD, além disso, 26% apresentarem CC elevada.

Os indivíduos residentes na zona urbana apresentaram médias de PAS superiores aos que residiam na zona rural. Somam‐se a isso, os indivíduos que possuíam médias de PAS e PAD elevadas também apresentavam a CC aumentada, conforme observado na tabela 1.

Tabela 1.

Comparação das médias PAS e PAD entre as variáveis: zona, gênero e classificação CC

Variável  Pressão    Média  DP  pa 
ZonaPASRural  387  106,5  14,9  0,033 
Urbano  323  108,4  14,1   
PADRural  387  63,4  13,4  0,874 
Urbano  323  62,6  10,0   
GêneroPASMasculino  390  108,0  13,9  0,181 
Feminino  320  106,6  15,3   
PADMasculino  390  63,1  11,1  0,566 
Feminino  320  63,0  12,9   
CCPASNormal  526  104,3  13,1  0,01 
CC elevada  184  116,2  14,9   
PADNormal  526  61,2  11,1  0,01 
CC elevada  184  68,3  12,8   

CC: circunferência da cintura; DP: desvio padrão; N: número de casos; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica.

a

Teste não‐paramétrico Mann‐Whitney.

Na tabela 2 compara‐se o estado nutricional com a CC e a classificação PAD e PAS. Crianças eutróficas e com CC normal, associada positivamente com a classificação da PAD e PAS normal. A obesidade foi significativamente associada à pré‐hipertensão, HAS grau um e HAS grau dois em relação a PAD e PAS; a CC elevada foi significativamente associada à classificação da PAD de pré‐hipertensão e HAS grau um e de PAS HAS grau um e dois.

Tabela 2.

Comparação da classificação do estado nutricional e da circunferência da cintura com classificação PAD e PAS

Variável  Resposta  Classificação PADpa 
    NormalPré‐hipertensãoHAS1HAS2 
     
ENEutrofia  378  61,8  28,1  17  39,5  36,4  0,05 
Sobrepeso  131  21,4  28,1  11  25,6  27,3   
Obesidade  103  16,8  14  43,8  15  34,9  36,4   
CCNormal  471  76,8  15  46,9  26  60,5  14  63,6  0,01 
CC elevada  142  23,2  17  53,1  17  39,5  36,4   
Variável  Resposta  Classificação PAS
    NormalPré‐hipertensãoHAS1HAS2 
     
ENEutrofia  314  68,9  36  45,0  42  39,6  20  29,9  0,05 
Sobrepeso  91  19,9  21  26,3  28  26,4  17  25,4   
Obesidade  51  11,2  23  28,8  36  34,0  30  44,8   
CCNormal  378  82,7  54  67,5  64  60,4  30  44,8  0,01 
CC elevada  79  17,3  26  32,5  42  39,6  37  55,2   

CC: circunferência da cintura; DP: desvio padrão; EN: estado nutricional; IMC: índice de massa corporal; HAS1: hipertensão arterial sistêmica grau 1; HAS2: hipertensão arterial sistêmica grau 2; N: número de casos; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica.

a

Qui‐quadrado. p (ausente): representa valores não significativos.

A tabela 3 demonstra que a PAS e PAD apresentaram diferenças significativas entre as idades. Observou‐se que, para PAS, na idade de seis anos apresentou as menores médias, seguida pelas idades sete e oito anos, que não diferem entre si, e os maiores valores de PAS foram observadas nas idades de nove e dez anos. Já para a PAD, verificou‐se que a idade de seis anos apresentou as menores médias em relação às demais idades e que estas não diferiam entre si. Em relação às médias de IMC, verificou‐se que as médias de PAS e PAD apresentaram diferenças significativas entre as classificações de IMC, ou seja, a classificação de eutrofia apresentou as menores médias de PAS e PAD, seguida pela classificação sobrepeso, e por fim, com os maiores valores, a classificação obesidade.

Tabela 3.

Comparação das médias PAS e PAD com a variável idade e classificação do IMC

Idade  PASPAD
    Média  DP  pa  Média  DP  pa 
Seis anos  44  98,8  13,9  0,01  59,1  11,7  0,01 
Sete anos  175  106,0  15,7    63,3  13,7   
Oito anos  196  106,5  14,0    62,3  12,4   
Nove anos  247  109,8  14,1    63,8  10,8   
Dez anos  48  111,3  11,7    64,4  8,2   
IMC  PASPAD
    Média  DP  pa  Média  DP  pa 
Eutrofia  412  103,5  13,0  0,01  60,5  10,7  0,01 
Sobrepeso  157  109,3  14,6    63,9  11,1   
Obesidade  140  116,6  14,6    69,6  13,7   

DP: desvio padrão; IMC: índice de massa corporal; N: número de casos; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica.

a

Teste não‐paramétrico Kruskal‐Wallis. p (ausente): representa valores não significativos.

A tabela 4 relaciona a idade, IMC e CC com PAS e PAD. Cabe salientar que os valores de PA variam de acordo com a idade, sexo e altura, sendo os valores do ponto de corte tomados como referência para o estudo. Verificou‐se que todas as correlações apresentaram resultados significativos, com exceção da correlação entre a idade e a PAD. Para o restante das correlações significativas, observa‐se uma correlação do tipo direta, ou seja, à medida que aumentam as médias de idade, IMC e CC, as médias da PAS e PAD tendem a aumentar também.

Tabela 4.

Relação entre a idade em anos, IMC e CC com a PAS e a PAD

Variáveis  PASPAD
  pa  pa 
Idade em anos  0,182  0,01  0,070  0,062 
IMC Kg/m2  0,382  0,01  0,315  0,01 
CC  0,390  0,01  0,304  0,01 

CC: circunferência da cintura; IMC: índice de massa corporal; N: número de casos; PAD: pressão arterial diastólica; PAS: pressão arterial sistólica.

a

Análise de correlação de Pearson.

Discussão

Neste estudo, demonstrou‐se que 22,1% das crianças estavam em sobrepeso e 19,7% em obesidade ou obesidade grave, resultados superiores aos estudos de Pedersoli et al.10, realizado com crianças de 7‐10 anos de idade em Porto Velho, que encontraram 16,5% de sobrepeso e 11,2% de obesidade, Lima et al.11, onde 15,1% apresentaram sobrepeso e 12,3% obesidade, e Passos et al.12, que encontraram 26% de sobrepeso e 25% de obesidade em ambos os gêneros, e inferiores a Moraes et al.2, que observaram 21% de sobrepeso e 27% de obesidade em crianças de ambos os gêneros, de escolas da cidade de São Paulo. No estudo de Burgos et al.4, 26,6% das crianças foram classificadas com sobrepeso/obesidade; Lee et al.13 mostraram que 28,9% das crianças tinham sobrepeso/obesidade, percentuais inferiores ao atual estudo.

A obesidade é um problema crescente na infância, chegando a atingir entre 25‐30% da população infantil. Tem sido atribuída principalmente a fatores ambientais e socioculturais, tais como incentivo a uma dieta pouco saudável, com alta proporção de gorduras, e a uma atitude sedentária14. A OMS estima que, em 2015, tenham existido 700 milhões de indivíduos com problemas de saúde decorrentes da obesidade e, destes, 43 milhões eram crianças, com idades abaixo de cinco anos, com sobrepeso15.

Observando‐se este crescente aumento de sobrepeso e obesidade em crianças cada vez mais jovens, Gabriel et al.16 destacaram o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) como uma importante ferramenta para influenciar positivamente no crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, na aprendizagem, no rendimento escolar e a formação de hábitos alimentares saudáveis dos alunos de toda a educação básica pública, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições saudáveis.

No presente estudo, 26% das crianças encontraram‐se com a CC elevada, resultados inferiores ao estudo de Iampolsky et al.17, com escolares de Santo André‐SP, no qual encontraram uma prevalência de 30,2%, e ao estudo de Souza et al.18, que demonstrou 42% das crianças com CC elevada. Neste sentido, a CC pode ser usada efetivamente para a avaliação clínica da presença ou não de fatores de risco para DCV em crianças e adolescentes19. Friedemann et al.20 dão ênfase a CC como preditora relevante de níveis alterados de lipídeos, lipoproteínas e apolipoproteínas em indivíduos jovens21. O risco cardiovascular vem aumentando ao longo dos anos, sendo considerado um importante problema de saúde pública por causar elevadas taxas de morbidade e mortalidade, além do impacto negativo na qualidade de vida destes pacientes22. Atualmente, sabe‐se que a localização abdominal de gordura mostra‐se mais associada às dislipidemias, hipertensão arterial e alterações no metabolismo glicêmico, sendo o perímetro da cintura considerado bom indicador da adiposidade corporal e do risco cardiovascular23, assim como o IMC, que tem apresentado concordância com indicadores de adiposidade24.

Das crianças estudadas, 11,8% foram classificadas como pré‐hipertensas e 26,5% como HAS1 ou HAS2 para PAS/PAD, resultados superiores ao estudo de Moraes et al.2, onde demonstrou‐se que 3,4% das crianças apresentam o diagnóstico de pré‐hipertensão, e 3,9% com o diagnóstico de HAS1 e HAS2 para PAD/PAS e ao estudo de Rosini et al.5, com escolares de Guabiruba, que observaram 6,1% das crianças classificadas como pré‐hipertensas e 4,5% como hipertensas. Já o estudo de Rinaldi et al.25 demonstrou que 26% das crianças apresentaram elevação de PAS/PAD, e Lima et al.11 constataram níveis pressóricos elevados em 20,4% das crianças. Portanto, como é sabido que a HAS do adulto tem início na infância, e em decorrência da falta da medição de PA em crianças, ainda com a crença de que a HAS não ocorre nesta faixa etária, muitas vezes deixa‐se de fazer o diagnóstico já nesta faixa etária, onde a intervenção precoce poderia prevenir o agravamento desta patologia no futuro26.

Monego e Jardim27, Moraes et al.2, Carvalho et al.28 e Lima et al.11 observaram associação significativa entre excesso de peso e HAS, resultado semelhante ao atual estudo, onde a obesidade foi significativamente associada à pré‐hipertensão, HAS1 e HAS2. Assim como, neste estudo, a classificação de eutrofia associou‐se significativamente a classificação da PAS e PAD normal, da mesma forma que no estudo de Batista et al.29. Independentemente do critério de classificação nutricional utilizado, os percentuais de PA aumentam à medida que se progride de classe nutricional, de baixo peso a obesidade2.

Visto que IMC e CC têm relação com a PA em crianças, é importante salientar que a presença de níveis pressóricos elevados não é tão rara quanto antes imaginado, e crianças com excesso de peso, história familiar positiva e/ou baixo peso ao nascer merecem atenção redobrada quanto ao risco da doença. A baixa adesão médica às atuais recomendações, para avaliação rotineira da PA em crianças acima dos três anos de idade, é um problema que merece atenção especial por parte das políticas de saúde pública, uma vez que permite o subdiagnóstico, com consequências futuras possivelmente irreversíveis para esses indivíduos30.

No estudo de Batista et al.29, a principal característica clínica das crianças estudadas foi o estado nutricional, onde 39% das crianças apresentaram excesso de peso e maiores médias de PA, tanto para PAD tanto para PAS.

Observou‐se, no atual estudo, uma correlação significativa do tipo direta, ou seja, à medida que aumentam as médias de idade, IMC e CC, as médias da PAS e PAD tendem a aumentar também, resultado semelhante ao estudo de Burgos et al.4 e Batista et al.29. Paschoal et al.30, em seu estudo com crianças de sete e oito anos, demonstraram que a média da PAS foi menor no grupo eutrófico, comparado ao obeso. Já no estudo de Nobre et al.31, ao desenvolverem pesquisa avaliando o efeito do IMC sobre a PA, observaram que o percentual de crianças com PAS, PAD e PAS/PAD elevadas foi significativamente mais alta entre aqueles com CC elevada, em ambos os gêneros.

O estudo atual demonstrou que a PAS apresentou média significativamente inferior aos seis anos de idade, seguida das idades de sete e oito anos; já na PAD, verificou‐se que a idade de seis anos apresentou as menores médias em relação às demais idades e que estas não diferem entre si. No estudo de Moraes et al.2 não houve associação significativa entre a presença de PA elevada e a idade.

A única correlação identificada quanto ao gênero foi à presença de maiores níveis de pressão diastólica no gênero masculino (p=0,02)2. Diferentemente do estudo de Rosa et al.32, que demonstrou não haver associação significativa entre a presença de PA elevada e a idade para PAS e PAD. Já nos trabalhos de Rinaldi et al.25 e Santos et al.33, defendem a ideia de que a medida que aumenta a idade, aumentam também os valores de PAS e PAD.

Todas as crianças que apresentaram obesidade ou PA foram encaminhadas a unidade básica de saúde, para receberem atendimento médico e nutricional. Cabe destacar que as variáveis estudadas no presente trabalho estão sendo verificadas em outros municípios, para posterior análise.

Como limitação do estudo podemos citar o número de avaliações de PA ter sido realizado em triplicata, somente quando as duas primeiras medições apresentavam diferença expressiva entre os valores. Além disso, o presente trabalho não considerou a estatura como fator que justificasse o aumento da PAS de crianças obesas ou com CC aumentada.

Conclusão

Concluiu‐se que as crianças residentes na zona urbana apresentaram médias de PAS significativamente superiores às que residiam na zona rural, possivelmente em virtude de uma alimentação mais industrializada e rica em sódio. Além disso, as que apresentavam CC elevada possuíam médias de PAS e PAD significativamente superiores em relação às crianças com CC normal. Assim, a obesidade foi significativamente associada à pré‐hipertensão, HAS1 e HAS2, tanto para PAS quanto para a PAD. A CC elevada foi significativamente associada à classificação da PAD de pré‐hipertensão e HAS1, e de HAS1 e HAS2 para PAS.

As crianças de nove a dez anos apresentaram as médias de PAS e PAD maiores em relação às crianças de seis e oito anos, assim como as crianças obesas demonstraram as maiores médias de PAS e PAD, em relação às com sobrepeso e eutrofia. Observou‐se ainda que à medida que as médias de idade, IMC e CC aumentam, as médias da PAS e PAD tendem a aumentar também.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.

Confidencialidade dos dados.

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito.

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

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