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Vol. 36. Núm. 5.
Páginas 385-388 (Maio 2017)
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Vol. 36. Núm. 5.
Páginas 385-388 (Maio 2017)
Cardiologia Baseada na Evidência
Open Access
Cochrane Corner: eficácia anti‐hipertensora dos betabloqueadores seletivos beta‐1 na hipertensão essencial
Cochrane Corner: Antihypertensive efficacy of beta‐1 selective beta blockers for primary hypertension
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Luís Nogueira‐Silvaa,b,c,
Autor para correspondência
luisnogueirasilva@gmail.com

Autor para correspondência.
, Pedro Sousa Marquesa, Maria João Limaa
a Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar S. João EPE, Porto, Portugal
b Centro de Investigação em Tecnologias e Sistemas de Informação em Saúde (CINTESIS), Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Porto, Portugal
c Unidade do Porto da Cochrane Portugal, Rede Iberoamericana, Porto, Portugal
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Resumo

Os betabloqueadores são fármacos frequentemente utilizados no tratamento da hipertensão arterial. Esta revisão sistemática da Cochrane avaliou o efeito dos betabloqueadores seletivos beta‐1 em doentes com hipertensão essencial, nomeadamente sobre a pressão arterial (PA), pressão de pulso (PP), frequência cardíaca (FC) e abandono devido à ocorrência de efeitos adversos. Foram incluídos 56 ensaios clínicos aleatorizados e controlados por placebo, correspondendo a 7812 doentes. A utilização destes fármacos levou a uma descida da PA sistólica/diastólica de 10/8mmHg, da PP de 2mmHg e da FC de 11bpm; não se encontrou diferença significativa no que diz respeito a abandono devido a efeitos adversos entre estes fármacos e o placebo. Foram encontradas diferenças de eficácia entre os vários betabloqueadores seletivos beta‐1, que poderão corresponder a diferenças na metodologia dos estudos. Na escolha de um fármaco para tratamento da hipertensão arterial deve ser tida em consideração a eficácia na redução da PA mas também a sua tolerabilidade, efeito na prevenção de eventos cardiovasculares e efeitos indesejados como os metabólicos.

Palavras‐chave:
Hipertensão
Pressão arterial
Betabloqueadores
Abstract

Beta blockers are commonly used to treat hypertension. This Cochrane systematic review assessed the effect of beta‐1 selective beta blockers on blood pressure (BP), pulse pressure (PP), heart rate (HR) and withdrawal due to adverse effects in patients with primary hypertension. Fifty‐six randomized placebo‐controlled trials were included, with a total of 7812 patients. These drugs reduced systolic/diastolic BP by 10/8 mmHg, PP by 2 mmHg and HR by 11 bpm; no difference was found between treatment and placebo regarding withdrawal due to adverse effects. Differences in efficacy were observed between the various beta‐1 selective beta blockers, which may be due to methodological differences in the trials. The choice of an antihypertensive drug should take into account not only its efficacy in reducing BP but also its tolerability, its efficacy in preventing cardiovascular events, and other factors such as undesirable metabolic effects.

Keywords:
Hypertension
Blood pressure
Beta‐adrenergic antagonists
Texto Completo
Questão clínica

Qual o efeito dos betabloqueadores seletivos beta‐1 na pressão arterial (PA)1?

Objetivos

Primário: determinar o efeito dose‐dependente de vários betabloqueadores seletivos beta‐1 na PA sistólica e diastólica, comparados com placebo, em indivíduos com hipertensão (HTA) essencial.

Secundários: determinar o efeito destes fármacos na pressão de pulso (PP) e na frequência cardíaca (FC), assim como o abandono de participantes provocado pela ocorrência de efeitos adversos.

Tipo e descrição do estudo

Foi realizada uma revisão sistemática com meta‐análise que incluiu ensaios clínicos aleatorizados, com desenho paralelo ou cross‐over, com dupla ocultação, que compararam qualquer betabloqueador seletivo beta‐1 (atenolol, betaxolol, bevantolol, bisoprolol, esmolol, metoprolol, nebivolol, pafenolol e practolol) com placebo, com duração de pelo menos três semanas e com medição da PA no início do estudo, e em pelo menos outro momento entre as três e as 12 semanas de follow‐up. Estes estudos deviam incluir participantes com pressão arterial sistólica (PAS)>140mmHg e/ou pressão arterial diastólica (PAD)>90mmHg no início do estudo e com níveis de creatinina plasmática<1,5 vezes o normal.

Foram pesquisadas as bases de dados MEDLINE, EMBASE, Cochrane Central Register of Controlled Trials (CENTRAL), Hypertension Group Specialised Register e ClinicalTrials.gov até outubro 2015, assim como as referências de artigos publicados previamente.

A seleção de estudos e extração de dados foram realizadas por dois dos autores; as discordâncias foram resolvidas por discussão ou com o auxílio de um terceiro investigador quando necessário. Foram avaliados os riscos de vieses.

Os resultados são apresentados como diferença média de PA, PP e FC com intervalo de confiança a 95% (IC95%), assim como o risco relativo (RR) de abandono devido a efeitos adversos.

A meta‐análise foi levada a cabo com modelo de efeitos fixos, exceto na presença de heterogeneidade significativa, situação na qual foi utilizado o modelo de efeitos aleatórios.

Resultados

Foram incluídos 56 estudos (dos quais 26 com desenho paralelo e 30 com desenho cross‐over), correspondendo a 7812 doentes com HTA essencial.

No seu conjunto, combinando os efeitos da dose inicial recomendada para cada fármaco e o dobro dessa dose, os betabloqueadores seletivos beta‐1 provocaram uma descida de PAS de 10,4mmHg (IC95% 9,7‐11,1), de PAD de 8,3mmHg (IC95% 7,8‐8,7), de PP de 1,8mmHg (IC95% 1,2‐2,3) e de FC de 10,9bpm (IC95% 10,4‐11,5), todas com significado estatístico; foi observado um RR de abandono devido a efeitos adversos de 0,85 (IC95% 0,5‐1,45), não significativo. A descida da PA foi maior em pico (12/9mmHg) do que em vale (8/7mmHg). A qualidade da evidência (GRADE2) foi avaliada como baixa devido a heterogeneidade significativa na análise e risco de vieses que poderão exagerar o efeito.

O nebivolol provocou uma descida de PAS/PAD de 8/6mmHg, agregando todos os ensaios, dado que não se encontraram diferenças significativas entre as várias dosagens (entre 5‐20mg por dia). O atenolol provocou uma descida de 13/11mmHg, combinando as dosagens de 50mg (dose inicial recomendada) e 100mg por dia; a comparação entre estas doses foi inconclusiva, embora a análise de subgrupos tenha mostrado uma descida de 10/8mmHg para a dose de 50mg por dia e de 15/13mmHg para a dose de 100mg por dia. É de referir que foi detetado um ensaio como outlier extremo; sem este estudo, a análise combinada das doses de 50 e 100mg por dia mostrou uma descida de 11/9mmHg. O metoprolol provocou uma descida de 9/8mmHg, agregando os ensaios com doses entre 100‐400mg por dia, sem que tenham sido detetadas diferenças significativas entre dosagens (o efeito da dose inicial recomendada de 100mg por dia foi de 5/5mmHg). O bisoprolol provocou uma descida de 11/8mmHg, combinando todos os ensaios, sem que se tenha encontrado diferenças significativas entre as várias dosagens (entre 5‐20mg por dia). É também de referir a existência de dois outliers extremos, embora a análise após a sua remoção não tenha sido reportada.

O viés de seleção foi difícil de avaliar por falta de informação nos artigos incluídos; o viés de deteção foi considerado elevado; o viés de seguimento foi considerado baixo por ter havido poucas perdas de seguimento; o risco de viés de informação foi considerado alto, dado que a maioria dos estudos não descreveu o abandono devido a efeitos adversos; o viés de publicação foi considerado alto atendendo à assimetria dos funnel plots.

Conclusões

Os betabloqueadores seletivos beta‐1, utilizados em monoterapia, provocam uma descida da PAS/PAD de 10/8mmHg, da PP de 2mmHg e da FC de 11bpm; não se encontrou diferença significativa no que diz respeito a abandono devido a efeitos adversos entre estes fármacos e o placebo. Não se observou um efeito dose‐resposta ao longo do intervalo de dosagens recomendado.

Comentário

Esta revisão sistemática Cochrane agrega uma grande quantidade de ensaios clínicos com muitos participantes, estudando o efeito dos betabloqueadores seletivos beta‐1, como grupo e individualmente. Neste Cochrane Corner são focados em maior detalhe os fármacos que estão disponíveis no mercado português. São apresentados os resultados sobre PA, PP, FC e efeitos adversos por fármaco e por dose, sendo claro que o aumento de dose não acarreta necessariamente um aumento do efeito, ao contrário do que poderia ser previsto empiricamente.

Apesar do número de estudos incluídos, a qualidade da evidência das conclusões desta revisão foi considerada baixa. Isto deve‐se principalmente à heterogeneidade importante que foi encontrada e à existência de ensaios com resultados extremos (outliers) que poderão exagerar o efeito final medido. Deve ser salientado que existem diferenças metodológicas relevantes entre os vários estudos, decorrentes do facto dos vários fármacos terem sido desenvolvidos e estudados com grandes intervalos de tempo entre eles, de existirem diferenças quanto ao momento de avaliação da PA (em vale ou pico das suas concentrações plasmáticas) e mesmo das populações estudadas. Por outro lado, a PA foi medida apenas em consultório, sendo hoje em dia fortemente recomendada a avaliação da PA em ambulatório.

Implicações clínicas

Os betabloqueadores são fármacos desenvolvidos inicialmente como antianginosos, mas que mostraram ser também eficazes como anti‐hipertensores. Estes fármacos atuam em diversos recetores e o mecanismo pelo qual baixam a PA não está totalmente explicado, o que justifica a avaliação dos betabloqueadores seletivos beta‐1 separadamente dos não‐seletivos3, dos beta‐agonistas parciais4, e dos alfa e betabloqueadores5. A avaliação combinada destas várias revisões sugere que os betabloqueadores seletivos beta‐1 são mais eficazes do que os beta‐agonistas parciais ou que os alfa e betabloqueadores e têm eficácia semelhante aos betabloqueadores não‐seletivos, embora devam ser tidas em conta diferenças metodológicas relevantes. Na comparação entre subclasses deverá ser tida em conta também a tolerabilidade e persistência6, efeito sobre a PA central e os efeitos metabólicos7, fatores que parecem favorecer o carvedilol (não‐seletivo) e os betabloqueadores seletivos beta‐1, particularmente o nebivolol.

Na escolha da terapêutica anti‐hipertensora deve ser tida em conta a eficácia na redução da PA, os efeitos que os fármacos têm para além dessa redução e também as comorbilidades que os doentes apresentam. As guidelines europeias de abordagem da HTA, publicadas em 2013, apresentam os betabloqueadores como uma das classes de fármacos utilizáveis como primeira linha em monoterapia8, embora com a ressalva de que este grupo de fármacos não mostrou reduzir a mortalidade e terá menor efeito benéfico na prevenção de lesão de órgão‐alvo9 e de eventos cardiovasculares10.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Referências
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Cochrane Database Syst Rev., (2012),
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